sábado, 29 de janeiro de 2022

Não conhecemos nada fora da natureza

A natureza gera o homem, que gera, produz, a cultura. A natureza gera a cultura através do homem.
Se nunca tivesse havido humanidade, não teria havido a cultura humana.
Esta trivialidade pretende significar que não conhecemos nada fora da natureza e que é artificial distinguir realidade natural de realidade cultural, na medida em que esta não deixa de ser natural e de funcionar segundo a causalidade da natureza.

domingo, 23 de janeiro de 2022

O movimento como causalidade de tudo

O tempo é um tema fascinante, que nunca cansa, nem passados milhões de anos, qualquer que seja o instrumento de medida que se adopte, admitindo, no entanto, que o tempo do relógio é o menos relevante na perspectiva do poeta e da abelha e da mosca e do covid-19 e dos dinossauros... 

Mas o tempo dos relógios e da velocidade, da clepsidra e da tartaruga são outras formas de movimento... Estamos imbuídos de sentidos do tempo e do espaço, como as águias e as pombas, os golfinhos e as sardinhas, mas as estrelas e as galáxias, de que fazemos parte, não têm tempo. 

O tempo, nesta acepção física de realidade, não existe. 

O tempo é biológico. 

O que existe é o movimento. 

Nada do que existe, incluindo o tempo (parece contraditório com o que disse), não existiria sem movimento. 

E eu pergunto-me se é sequer concebível, imaginável, que deixe alguma vez de ser tudo movimento.

sábado, 15 de janeiro de 2022

Qual a causa do movimento que causa tudo?

O genuíno entusiasmo pelo conhecimento é contagiante e optimista, como só o conhecimento pode fazer que sejamos. Aliás, mesmo o pessimismo, por exemplo de um Schopenhauer, conquanto seja a constatação de uma realidade (com uma vontade não coincidente com a vontade da nossa realidade humana) que desejaríamos fosse outra, só pelo facto de a constatarmos já nos confere vantagens.
O pessimismo e o optimismo não são variáveis que o Newton ou o Einstein pudessem analisar através de um prisma, como se faz com a luz, ou que os niilistas pudessem descartar como irrealidades, fazendo tábua rasa do sofrimento e da morte, como se não existissem, ou que os realistas não entendessem como manifestações da mesma física que parece estar em tudo e por detrás de tudo, por nada haver que não seja físico, incluindo o pensamento mais estúpido ou o sentimento mais incompreensível.
Atrevo-me a pensar que, se há algo sem o qual nada aconteceria e tudo o que acontece deixaria de acontecer, esse algo é o movimento. Sem movimento haveria causalidade? Haveria alguma coisa?

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Se houvesse um refúgio

Se houvesse um refúgio

Ninguém quereria lá ficar

Chegamos finalmente ao lugarejo

Que chamamos do voo da águia

Bebemos da nascente à entrada

Água que estava a jorrar

Sem temer dragões à espreita

Pelos buracos das construções ao vento

Que ouvíamos a respirar

Fingindo tomar-nos por donos

Deste pensamento

Do mais sagrado que havia

Naquele lugar

Tão longe das encostas nevadas

E dos picos de sol

Como o outono na floresta

Dos líquenes

Na clareira surgiu um vulto

De mulher sorridente

Que a todas as perguntas

Nos indicava em redor

O que havia

Sem sombra de dúvida.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Pensar pela própria cabeça

Porque as coisas não têm de ser como são, pensar pela própria cabeça, faz todo o sentido, apesar de não ser de todos os quadrantes que se faz bandeira e apelo ao acto de pensar pela própria cabeça, bem pelo contrário.
O indivíduo nem sempre chega a entender a diferença entre pensar e pensar pela própria cabeça. É uma dicotomia algo artificial e estranha, porque, em rigor, só se pode pensar com a própria cabeça e, mesmo quando pensamos sobre aquilo que é cultura, objectivação de pensamento, ideias, juízos, ainda que não através de objectificação mais ou menos efémera, seja ou não linguagem, ou meio de comunicação, sonora, escrita, visual, qualquer que seja a codificação usada (por ex., dizer amo para significar odeio, etc..) é a cabeça de um indivíduo que “imagina”, “pensa” o que, aparentemente, está pensado, por exemplo, num livro.
Mas podemos ter a certeza, podemos estar seguros de que ninguém pensa pela cabeça de ninguém? Creio que sim.
No entanto, o acto de pensar é apenas uma forma consciente de pensar. Pensar nem sempre corresponderá a um acto consciente. A consciência, aquilo que, neste contexto, considero condição para se poder falar de acto, constitui, no conjunto da vida humana, suponho eu, baseado em mero palpite do tempo que passamos a dormir, ou quase a dormir, distraídos ou em estado “quase comatoso”, sendo a parte da vida que mais directamente testemunhamos, não deixa de ser relativamente muito pequena, embora a que é representativa para a nossa memória, do cronómetro biográfico.
E não é por não estarmos conscientes dos nossos metabolismos fisiológicos e processos neurológicos que eles deixam de ocorrer. Aqui, a nossa cabeça pouco ou nada pode pensar em termos de acto de pensamento determinante do processo. Ninguém, aqui, sequer pensa, nem pela própria cabeça, nem pela cabeça de outrem (se isto fosse possível).
É, não obstante, perceptível a diferença entre pensar como mero descodificador num processo de comunicação e pensar como emissor.
Se, perante uma assembleia de sábios, eu tivesse que falar com a condição de lhes dizer apenas algo que eles não soubessem, em verdadeiro e absoluto nome próprio, sem me ser permitido recorrer a citações, ou quaisquer ideias que não fossem minhas, não sendo aceite sequer que me referisse a qualquer doutrina, autor, teoria, ideologia, devendo mostrar originalidade e conhecimento de tal modo que eles próprios nunca tivessem sequer suspeitado, a minha prova seria algo parecido com uma missão impossível e não teria nada a ver com uma prova acerca do que pensaram os outros, sábios ou não.
Naquela minha hipótese, eu teria que pensar pela própria cabeça.
O problema é que pensar pela própria cabeça não é tão cómodo, nem tão fácil, nem tão compensador, nem tão “inteligente” e “económico” e, do ponto de vista da comunicação, é um desafio com obstáculos brutais, tanto para quem emite, quanto para quem recebe.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Todas são uma

As mulheres

São tão secretas

Que só o poeta sabe

Que todas são uma

Imprescindível aparição

Que não acontece

Nas ocasiões mais felizes

Que nas tristes

Todas não são

E o poeta cuida

Que figurem na íntima narração

Das criações belas

Que povoam as telas

De quem confia sem receio

Em todo e qualquer devaneio

Que elas são.

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

O que tens a dizer sobre o que quer que seja

Se o que tens a dizer

Sobre o amor

Ou o que quer que seja

É que já foi tudo dito por outros

Essa charada

De ti

Não diz senão

Que estás de porta trancada

Mas ninguém atira uma estrela

Pela janela

Como quem dispensa dons

De profetizar

A partir do céu

Vestires-te de conchas

Das profundezas marinhas

Não te tornará mais cromo

Do que apanhares banhos de sol

Ao luar

Entre os ópios do povo

Que venha o diabo e escolha.