quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Pensar pela própria cabeça

Porque as coisas não têm de ser como são, pensar pela própria cabeça, faz todo o sentido, apesar de não ser de todos os quadrantes que se faz bandeira e apelo ao acto de pensar pela própria cabeça, bem pelo contrário.
O indivíduo nem sempre chega a entender a diferença entre pensar e pensar pela própria cabeça. É uma dicotomia algo artificial e estranha, porque, em rigor, só se pode pensar com a própria cabeça e, mesmo quando pensamos sobre aquilo que é cultura, objectivação de pensamento, ideias, juízos, ainda que não através de objectificação mais ou menos efémera, seja ou não linguagem, ou meio de comunicação, sonora, escrita, visual, qualquer que seja a codificação usada (por ex., dizer amo para significar odeio, etc..) é a cabeça de um indivíduo que “imagina”, “pensa” o que, aparentemente, está pensado, por exemplo, num livro.
Mas podemos ter a certeza, podemos estar seguros de que ninguém pensa pela cabeça de ninguém? Creio que sim.
No entanto, o acto de pensar é apenas uma forma consciente de pensar. Pensar nem sempre corresponderá a um acto consciente. A consciência, aquilo que, neste contexto, considero condição para se poder falar de acto, constitui, no conjunto da vida humana, suponho eu, baseado em mero palpite do tempo que passamos a dormir, ou quase a dormir, distraídos ou em estado “quase comatoso”, sendo a parte da vida que mais directamente testemunhamos, não deixa de ser relativamente muito pequena, embora a que é representativa para a nossa memória, do cronómetro biográfico.
E não é por não estarmos conscientes dos nossos metabolismos fisiológicos e processos neurológicos que eles deixam de ocorrer. Aqui, a nossa cabeça pouco ou nada pode pensar em termos de acto de pensamento determinante do processo. Ninguém, aqui, sequer pensa, nem pela própria cabeça, nem pela cabeça de outrem (se isto fosse possível).
É, não obstante, perceptível a diferença entre pensar como mero descodificador num processo de comunicação e pensar como emissor.
Se, perante uma assembleia de sábios, eu tivesse que falar com a condição de lhes dizer apenas algo que eles não soubessem, em verdadeiro e absoluto nome próprio, sem me ser permitido recorrer a citações, ou quaisquer ideias que não fossem minhas, não sendo aceite sequer que me referisse a qualquer doutrina, autor, teoria, ideologia, devendo mostrar originalidade e conhecimento de tal modo que eles próprios nunca tivessem sequer suspeitado, a minha prova seria algo parecido com uma missão impossível e não teria nada a ver com uma prova acerca do que pensaram os outros, sábios ou não.
Naquela minha hipótese, eu teria que pensar pela própria cabeça.
O problema é que pensar pela própria cabeça não é tão cómodo, nem tão fácil, nem tão compensador, nem tão “inteligente” e “económico” e, do ponto de vista da comunicação, é um desafio com obstáculos brutais, tanto para quem emite, quanto para quem recebe.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Todas são uma

As mulheres

São tão secretas

Que só o poeta sabe

Que todas são uma

Imprescindível aparição

Que não acontece

Nas ocasiões mais felizes

Que nas tristes

Todas não são

E o poeta cuida

Que figurem na íntima narração

Das criações belas

Que povoam as telas

De quem confia sem receio

Em todo e qualquer devaneio

Que elas são.

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

O que tens a dizer sobre o que quer que seja

Se o que tens a dizer

Sobre o amor

Ou o que quer que seja

É que já foi tudo dito por outros

Essa charada

De ti

Não diz senão

Que estás de porta trancada

Mas ninguém atira uma estrela

Pela janela

Como quem dispensa dons

De profetizar

A partir do céu

Vestires-te de conchas

Das profundezas marinhas

Não te tornará mais cromo

Do que apanhares banhos de sol

Ao luar

Entre os ópios do povo

Que venha o diabo e escolha.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Virtudes e defeitos do capitalismo e do liberalismo

Os capitalistas e os liberais vão ter de aceitar e de se sujeitar, se outra não for a vontade democrática actualizada em função da evolução histórica, às novas condições de promoção e desenvolvimento de iniciativas económicas, financeiras, laborais, impostas pelos ecossistemas e suas implicações, ou pelos imperativos legais ditados pela actual realidade do conhecimento e dos poderes das tecnologias. 
Mas isso não quer dizer que eles tenham de aceitar ou de se sujeitar a algo de mau ou de menos bom para eles. Só quer dizer, nesse âmbito, que, ou o capitalismo e o liberalismo serão condicionados e limitados para áreas de intervenção económica mais restritas e consentâneas com a necessidade de sustentabilidade social e ambiental e natural, ou, concomitantemente, poder-se-ão assumir como parte da solução, serem factores da mudança e agirem como motores e agentes concorrenciais das tão urgentes e hercúleas mudanças que os actuais paradigmas políticos, económicos, sociais e financeiros e jurídicos, reclamam e exigem. 
Das muitas críticas que se podem fazer ao capitalismo e ao liberalismo tal como os conhecemos desde a revolução industrial, algumas podem ter a ver com a aptidão do capitalismo e do liberalismo para gerar e promover riqueza, através da exploração desenfreada e insustentável e injusta de recursos, mas esta aptidão também pode funcionar ou operar, com igual eficácia, nas actividades de salvaguarda e de preservação e de desenvolvimento de soluções economicamente interessantes de grande envergadura, com benefícios directos para a humanidade que talvez fossem ou sejam impossíveis de alcançar tão eficazmente num modo de produção diferente, de tipo colectivista ou socialista. 
As virtudes do capitalismo e do liberalismo não são tantas que obriguem os capitalistas e os liberais a serem virtuosos, mas também não são tão poucas que não permitam que estes o sejam, como devem ser.

sábado, 20 de novembro de 2021

Direito, igualdade, imperativo categórico

Imperativo categórico – é a norma a que necessariamente deves obedecer por ser o princípio e critério necessário de um juízo de direito. A ideia de direito, a definição de direito, implica que a tua norma é também a norma do outro e que, consequentemente, serás julgado pela norma pela qual julgares o outro. 
A esfera dos teus direitos só encontra fundamento e justificação na medida em que fundamenta e justifica a esfera de direitos do outro. Qualquer direito que te arrogues só será direito se for universal. Por ex., se alguém reclamar para si o direito a ter um avião, é imperativo categórico que qualquer outra pessoa possa igualmente reclamar esse direito. Mas o imperativo categórico, em termos de consciência política e de justiça social e ambiental, conduz a que não seja direito, por exemplo, que um indivíduo se prevaleça e se aproveite de mais recursos do que aqueles que lhe são estritamente necessários se calculássemos a parte dos recursos disponíveis estritamente necessários a cada ser humano. Grosso modo, por ex., se é impossível que todas as pessoas tenham um avião, eu não tenho direito a ter um. Ou, por outras palavras, o imperativo categórico não comporta que haja dois pesos e duas medidas. 
O teu quinhão não pode ser composto à custa e com prejuízo do quinhão do outro, entendido como todo e qualquer outro ser humano. 
O princípio da igualdade é o reconhecimento e a expressão de um imperativo categórico: a norma que escolheres para ti é válida para o(s) outro(s). No fundo, corresponde ao princípio da não contradição. 
A discussão em torno das questões de justiça social teria imenso a ganhar, seria muito mais fértil, se não se distraísse do imperativo categórico da igualdade. 
Até podes arvorar-te em medida e critério de todas as coisas, mas é imperativo categórico, quer dizer, não tens razão alguma para recusar, que todas e quaisquer pessoas façam o mesmo. 
A menos que faças como os profetas e o messias, que apelaram à sua natureza alegadamente divina.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Cápsulas de optimismo

As transformações sofridas

Qual esplendor de cápsulas de optimismo

De janelas viradas

A futuros certos

Prometem recordes do lançamento de princípios

Nos jogos olímpicos da volúpia

Nas vias travessas do amor

E das agonias do ódio

Ao virar da esquina

Ninfas descobertas a caminhar

Em chão de urtigas

Por entre lápides que são quedas

De muros que soterram

Quem vive a matar o tempo

Não basta matar

Saudades  

Matam mais que o sal

Os construtores de liberdade

Percebem que a paciência

É uma ferramenta chave

Para desactivar desastres

E que a atenção nunca é de mais

Quando se trata de resolver problemas

Democracia é parte da solução

Não existe sem gente

Nem pontes

Nem ruas em todos os sentidos

Por onde erra quem foge

À discussão.

sábado, 23 de outubro de 2021

Democracia e Cultura (visível e escura)


O tema Democracia e Cultura é susceptível de árdua, mas muito proveitosa ponderação e análise, no âmbito da democratização, seja da cultura, seja da própria organização política, que o é da cultura, se considerarmos, como eu considero, que cultura é acto humano, tendo em mente que acto é uma forma de manifestação do indivíduo humano, racional, voluntária, consciente, num quadro de possibilidades das quais ele escolhe a melhor. 

A cultura é isto. É tudo aquilo que a humanidade, através dos indivíduos que a constituem, produziu, de alguma forma objectivada, em sons, imagens, sinais, artefactos, enfim, meios de comunicação, construções, marcas, registos, efeitos, resultados, intencionalmente, exercendo uma escolha, numa panóplia de possibilidades, entre as quais, escolher não escolher, conquanto as não escolhas não tenham originado cultura, por falta de objectivação. Essa matéria escura da cultura, ainda hoje, até pode ser mais abundante e determinante do que a outra, que se manifesta em acto de objectivação, mas não deixa rasto.

A organização política da sociedade, pela sua própria natureza, é cultura que se objectiva. E entre os seus desígnios está alargar ou encolher o horizonte de possibilidades de escolha, sendo que a possibilidade de o indivíduo escolher não escolher, está sempre presente, quer o indivíduo tenha consciência, ou não, de que não escolher tem implicações, corresponde a uma escolha.

Democratizar a cultura faz sentido, até porque, se a cultura é produzida pelos humanos, nem todos os humanos produzem cultura em igual medida e nenhum humano produziu ou produz a cultura toda. De igual modo, nenhum humano tem acesso à cultura toda, senão a uma pequeníssima parte.

A democracia, porém, enquanto domínio da expressão da maioria, exprime os interesses dessa maioria como eles se configuram no quadro de possibilidades vigente. A democracia, por si só, não altera o quadro de possibilidades, porque este é uma das limitações, condições, da democracia. 

E democratizar a cultura não significa, nem corresponde a produzir cultura democraticamente.