segunda-feira, 29 de novembro de 2021

O que tens a dizer sobre o que quer que seja

Se o que tens a dizer

Sobre o amor

Ou o que quer que seja

É que já foi tudo dito por outros

Essa charada

De ti

Não diz senão

Que estás de porta trancada

Mas ninguém atira uma estrela

Pela janela

Como quem dispensa dons

De profetizar

A partir do céu

Vestires-te de conchas

Das profundezas marinhas

Não te tornará mais cromo

Do que apanhares banhos de sol

Ao luar

Entre os ópios do povo

Que venha o diabo e escolha.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Virtudes e defeitos do capitalismo e do liberalismo

Os capitalistas e os liberais vão ter de aceitar e de se sujeitar, se outra não for a vontade democrática actualizada em função da evolução histórica, às novas condições de promoção e desenvolvimento de iniciativas económicas, financeiras, laborais, impostas pelos ecossistemas e suas implicações, ou pelos imperativos legais ditados pela actual realidade do conhecimento e dos poderes das tecnologias. 
Mas isso não quer dizer que eles tenham de aceitar ou de se sujeitar a algo de mau ou de menos bom para eles. Só quer dizer, nesse âmbito, que, ou o capitalismo e o liberalismo serão condicionados e limitados para áreas de intervenção económica mais restritas e consentâneas com a necessidade de sustentabilidade social e ambiental e natural, ou, concomitantemente, poder-se-ão assumir como parte da solução, serem factores da mudança e agirem como motores e agentes concorrenciais das tão urgentes e hercúleas mudanças que os actuais paradigmas políticos, económicos, sociais e financeiros e jurídicos, reclamam e exigem. 
Das muitas críticas que se podem fazer ao capitalismo e ao liberalismo tal como os conhecemos desde a revolução industrial, algumas podem ter a ver com a aptidão do capitalismo e do liberalismo para gerar e promover riqueza, através da exploração desenfreada e insustentável e injusta de recursos, mas esta aptidão também pode funcionar ou operar, com igual eficácia, nas actividades de salvaguarda e de preservação e de desenvolvimento de soluções economicamente interessantes de grande envergadura, com benefícios directos para a humanidade que talvez fossem ou sejam impossíveis de alcançar tão eficazmente num modo de produção diferente, de tipo colectivista ou socialista. 
As virtudes do capitalismo e do liberalismo não são tantas que obriguem os capitalistas e os liberais a serem virtuosos, mas também não são tão poucas que não permitam que estes o sejam, como devem ser.

sábado, 20 de novembro de 2021

Direito, igualdade, imperativo categórico

Imperativo categórico – é a norma a que necessariamente deves obedecer por ser o princípio e critério necessário de um juízo de direito. A ideia de direito, a definição de direito, implica que a tua norma é também a norma do outro e que, consequentemente, serás julgado pela norma pela qual julgares o outro. 
A esfera dos teus direitos só encontra fundamento e justificação na medida em que fundamenta e justifica a esfera de direitos do outro. Qualquer direito que te arrogues só será direito se for universal. Por ex., se alguém reclamar para si o direito a ter um avião, é imperativo categórico que qualquer outra pessoa possa igualmente reclamar esse direito. Mas o imperativo categórico, em termos de consciência política e de justiça social e ambiental, conduz a que não seja direito, por exemplo, que um indivíduo se prevaleça e se aproveite de mais recursos do que aqueles que lhe são estritamente necessários se calculássemos a parte dos recursos disponíveis estritamente necessários a cada ser humano. Grosso modo, por ex., se é impossível que todas as pessoas tenham um avião, eu não tenho direito a ter um. Ou, por outras palavras, o imperativo categórico não comporta que haja dois pesos e duas medidas. 
O teu quinhão não pode ser composto à custa e com prejuízo do quinhão do outro, entendido como todo e qualquer outro ser humano. 
O princípio da igualdade é o reconhecimento e a expressão de um imperativo categórico: a norma que escolheres para ti é válida para o(s) outro(s). No fundo, corresponde ao princípio da não contradição. 
A discussão em torno das questões de justiça social teria imenso a ganhar, seria muito mais fértil, se não se distraísse do imperativo categórico da igualdade. 
Até podes arvorar-te em medida e critério de todas as coisas, mas é imperativo categórico, quer dizer, não tens razão alguma para recusar, que todas e quaisquer pessoas façam o mesmo. 
A menos que faças como os profetas e o messias, que apelaram à sua natureza alegadamente divina.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Cápsulas de optimismo

As transformações sofridas

Qual esplendor de cápsulas de optimismo

De janelas viradas

A futuros certos

Prometem recordes do lançamento de princípios

Nos jogos olímpicos da volúpia

Nas vias travessas do amor

E das agonias do ódio

Ao virar da esquina

Ninfas descobertas a caminhar

Em chão de urtigas

Por entre lápides que são quedas

De muros que soterram

Quem vive a matar o tempo

Não basta matar

Saudades  

Matam mais que o sal

Os construtores de liberdade

Percebem que a paciência

É uma ferramenta chave

Para desactivar desastres

E que a atenção nunca é de mais

Quando se trata de resolver problemas

Democracia é parte da solução

Não existe sem gente

Nem pontes

Nem ruas em todos os sentidos

Por onde erra quem foge

À discussão.

sábado, 23 de outubro de 2021

Democracia e Cultura (visível e escura)


O tema Democracia e Cultura é susceptível de árdua, mas muito proveitosa ponderação e análise, no âmbito da democratização, seja da cultura, seja da própria organização política, que o é da cultura, se considerarmos, como eu considero, que cultura é acto humano, tendo em mente que acto é uma forma de manifestação do indivíduo humano, racional, voluntária, consciente, num quadro de possibilidades das quais ele escolhe a melhor. 

A cultura é isto. É tudo aquilo que a humanidade, através dos indivíduos que a constituem, produziu, de alguma forma objectivada, em sons, imagens, sinais, artefactos, enfim, meios de comunicação, construções, marcas, registos, efeitos, resultados, intencionalmente, exercendo uma escolha, numa panóplia de possibilidades, entre as quais, escolher não escolher, conquanto as não escolhas não tenham originado cultura, por falta de objectivação. Essa matéria escura da cultura, ainda hoje, até pode ser mais abundante e determinante do que a outra, que se manifesta em acto de objectivação, mas não deixa rasto.

A organização política da sociedade, pela sua própria natureza, é cultura que se objectiva. E entre os seus desígnios está alargar ou encolher o horizonte de possibilidades de escolha, sendo que a possibilidade de o indivíduo escolher não escolher, está sempre presente, quer o indivíduo tenha consciência, ou não, de que não escolher tem implicações, corresponde a uma escolha.

Democratizar a cultura faz sentido, até porque, se a cultura é produzida pelos humanos, nem todos os humanos produzem cultura em igual medida e nenhum humano produziu ou produz a cultura toda. De igual modo, nenhum humano tem acesso à cultura toda, senão a uma pequeníssima parte.

A democracia, porém, enquanto domínio da expressão da maioria, exprime os interesses dessa maioria como eles se configuram no quadro de possibilidades vigente. A democracia, por si só, não altera o quadro de possibilidades, porque este é uma das limitações, condições, da democracia. 

E democratizar a cultura não significa, nem corresponde a produzir cultura democraticamente.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

A realidade como ela é


Não nos basta bater com a cabeça na parede para podermos responder às questões do que é a realidade, se a parede é real, se o que pensamos é real e se essa realidade é como é, se tem de ser como é, se sempre foi o que é e se alguém sabe se será e o que será, etc..

O título do livro, o mundo como ele é, do físico sueco Ulf Danielsson, independentemente daquilo que o autor defenda, é sintomático de que estamos perante um problema de magnitude filosófica e científica, mas não nos permite esperar que o mundo seja “como ele é”, a não ser no sentido em que “o ser” do mundo é “não ser como é”. E não apenas num plano estrito de processo ou de possibilidade de provar o que se diz, o que reduziria o problema a uma limitação teórico-científica. O ser do mundo é não ser como é, essa é a sua realidade. Nenhum fenómeno se repete. Nada ocorre duas vezes. Neste ponto, mesmo as experiências e verificações científicas reconhecem uma dificuldade.

A necessidade de explicar como é que o mundo é não parece ter tanto a ver com as aparências de ser (que são) mas sobretudo com o que parece mas não é (parece mais uma contradição).

Os filósofos sabem-no desde que reflectiram sobre a natureza, pelo menos desde os jónicos e os cientistas, nomeadamente os físicos, parece saberem-no melhor do que ninguém, não apenas ao tentarem saber como as coisas (realidade) funcionam, mas também ao tentarem explicar porque é que funcionam assim, se sempre funcionaram e se funcionarão.

Há pelo menos duas questões que podemos colocar para experimentar as dificuldades com que deparamos no tocante à realidade: saber/dizer/declarar o que é “isto” e provar/demonstrar o que se declara. À dificuldade de responder à questão, concreta, por exemplo, “isto é uma pedra?”, acresce a dificuldade de provar e demonstrar. Normalmente, as pessoas não questionam, nem discutem se a parede existe ou não, se é real ou não. O que tem suscitado discussão é “o que é a parede?” e a prova e demonstração do que se diz. Não é se a parede está lá. Os físicos também não discutem se existe o sol e a terra. Mas a questão não me parece disparatada.

Voltando à questão de saber “o que é isto?”, os cientistas têm dado um imenso contributo, é certo, mas ainda não chega, como se pode ver do facto de a física manter em aberto questões fundamentais sobre a realidade física. Mas também temos de considerar a existência de realidades que os físicos não estudam, como os pensamentos e os sentimentos e a biologia que, ao que parece, não deixam de ser realidades físicas, ainda que mais efémeras umas do que outras.

Não obstante, e isto toca com o problema de o mundo “ser como é”, se fossemos capazes de responder à questão “o que é isto?” e de o provar, essa resposta, provavelmente, teria de responder às outras questões “o que isto foi?”, “o que isto será?”, sabendo nós, por experiência, que, na realidade, mesmo para os físicos, se há um modo de ser das coisas esse modo de ser é que elas (mesmo se sabemos como foram), não são como são, nem sabemos como serão.

Haverá forma de saber se este problema se resolveria se um poder para isso suspendesse o movimento dos corpos (e das partículas, ou cordas, ou outra coisa desconhecida, cancelando a gravidade, a força electromagnética e as forças nucleares)? Os cérebros não seriam suspensos também?


segunda-feira, 11 de outubro de 2021

A toque de caixa

Ao toque de tambores e de clarim. Muitas batalhas foram perdidas porque o fragor dos ferros e dos gritos não permitiram que os combatentes ouvissem os toques da ordem. Ficavam assim à mercê do inimigo, desorientados, em vez de fugirem, resistiam, mas sem rectaguarda, ou fugiam desordenadamente na direcção errada. A comunicação, nas batalhas, sempre foi um dos pontos chave e mais difíceis de conseguir e de coordenar, sobretudo antigamente, em que os sinais sonoros para chegarem às tropas, não deviam confundir-se com os sinais do inimigo, perderem-se no espaço ou serem distorcidos pelo ruído produzido durante a batalha. A comunicação é, se prestarmos alguma atenção ao problema, o calcanhar de Aquiles, da  guerra como da paz.

A guerra é para especialistas, como a ciência é para especialistas, mas as técnicas e os combates são para todos. À ciência não pode ser imputada nenhuma responsabilidade. A pólvora não tem culpa de ser explosiva, nem as máquinas têm culpa de demolir, nem o fogo tem culpa de devorar e liquefazer tudo, até um certo ponto. Nenhuma droga, ou aeronave, podem ser responsabilizadas dos danos que causam. Assim como um cão ou um vulcão. Mas podemos sempre tentar metê-los a todos numa prisão. Só que, enquanto o homem continuar a existir, à solta, ou não, vai ser obrigado a lutar pela sobrevivência e isso tem de ser colectivo. Infelizmente, a humanidade não tem sido muito bem-sucedida na tentativa de fazer o melhor. A natureza, incluindo a humana, é indócil e rebelde, para não dizer inábil, relativamente a uma bondade objectiva dos nossos actos construtivos, tantas vezes com imenso trabalho e sacrifício. Afinal, temos andado a construir destruindo, ou a destruir construindo? Quanto das construções são destruições irreversíveis? E como remediar e evitar continuar?

É preciso trabalhar arduamente para que tudo continue na mesma, e não se consegue. Mas para que as coisas mudem, basta não fazer nada.

A ciência não tem defeitos morais, é como a sabedoria, e como Deus. São bons por definição e não são virtuosos, em sentido moral, porque virtuoso é atributo moral de acto humano. Não fazem e nunca fizeram mal a ninguém. São edifícios ideais, abstractos,

Já a guerra tem de ser vista de outro modo e noutra perspectiva. A guerra é actividade humana, conjugada para infligir mal. Se porventura alguém faz ciência para infligir mal, não é o acto de fazer ciência que faz mal, mas o acto de guerra, em intenção ou execução consequente.