"Ser feliz é uma actividade que requer toda uma vida e não pode existir em menos tempo" - Aristóteles, Ética a Nicómaco
quinta-feira, 7 de outubro de 2021
Quem não gostaria de saber?
Não
pretendo, nem seria capaz de dizer o que a universidade é, ou foi, nem o que
pode ser, nem o que deve ser e, menos ainda (se é que tal é possível), o que
será. Pretendo dizer, simplesmente, que não acredito que haja alguém capaz de o
fazer. E creio que não estou a jogar com as palavras para além do significado
que elas, prosaicamente, comportam. Claro que a minha opinião, corresponda ou
não à minha crença (tantas vezes se afirma uma coisa e se pensa outra), não
vale pelo que penso, mas pelo que significa.
Neste
caso, o que ela significa é anódino (cada um acredita naquilo que lhe aprouver),
enquanto não apresentar razões plausíveis para afirmar o que afirmo.
Para
que não seja completamente gratuito, admitindo que não é de tal modo óbvio o porquê
de «não acreditar que haja alguém capaz de o fazer», passo a esboçar meras
presunções.
Se
para dizer o que é uma pedra não basta a ciência toda, nem a filosofia toda,
nem toda a poesia, pode ser uma simples pedra no sapato, ou na cabeça, em forma
de um rei, ou de pavimento, pedra angular, pedra preciosa, parte de um todo desconhecido,
que não pode ser deduzido dela, que não existe sem ela, não sabendo nós se
subsistirá o significado que ela tem para a ciência, para a filosofia, para a
poesia e, inerentemente, para o homem, se este desaparecer, quanto mais não
será necessário para dizer o que a universidade é? Haverá alguma ciência, ou interconexão
de ciências que nos disponibilize a representação do que a universidade é de um
modo pelo menos tão claro como é possível representar os ambientes em que terá
surgido a vida?
Se
é difícil ou impossível dizer o que uma coisa é, quanto mais difícil não será
dizer o que ela foi?
Se
não sabemos responder a nenhuma destas perguntas, como saberemos o que a
universidade pode ser? E se não soubermos o que pode ser, que sentido faz dizer,
ou até pensar, o que deve ser?
E
quanto ao que será? Quem não gostaria de saber?
quarta-feira, 29 de setembro de 2021
A Escola e os gurus
A escola, tal
como a conheço, era uma circunstância odiosa, tal como a catequese e a igreja,
ainda que (ou mais ainda, se) a criança fosse promovida a estrela da companhia.
De tal modo colocava
as crianças perante as suas incapacidades, dificuldades, limitações, mas sempre
contracenadas com figurinos histriónicos elevados à categoria de exemplo e
prova de que é possível, os outros conseguem, tu não.
O outro era, e
continua a ser, a marca inatingível. Há sempre outros. Há sempre os melhores,
que são os outros. E, por alguma razão, há sempre quem ache isto bem. O limite
é Deus. Não existe, nunca existirá, porque Deus ficava estragado se fosse
limitado.
Não existe
limite quando o outro é o limite ao devolver que limite tem um nome “tu”, tu és
o limite, o limite és tu.
E então, a escola,
a catequese, a igreja, os modelos de pensamento, de organização social, de produção,
de educação, de ensino, de justiça, de beleza, de santidade, de virtude, enfim,
de valor, de sucesso, de realização, operam sobre a criança e exercem uma força
que será tanto mais fantasmagórica e ilusória quanto mais ela se aperceber de
que a realidade, a sua experiência, os seus sentidos, tendem a refutar as ideias
de que é possível ou desejável que corresponda a algum modelo, ou personagem, que
tampouco está gizado, que tampouco existe, que tampouco interessa, que nem
sequer é humanamente razoável…
E começa a
perceber que, tal como as histórias da carochinha, é tudo um faz de conta. Há
crianças que vivem num mundo faz de conta mais interessante, em que elas
próprias fazem de conta e dão-se bem com isso. Outras nem tanto. E outras não.
O faz de conta não é igual para as bruxas e para as criancinhas.
Depois, o faz de
conta, que conta, e de que maneira, continua a ser um jogo que dificilmente o
jovem recusará jogar, mesmo que saiba que é viciado e vai perder. Se sabe que
vai ganhar, mesmo sabendo que é viciado, joga, porque não pode deixar de o
fazer.
A ideia de que o
que importa é participar e não ganhar, é bem verdadeira, porque quem ganha não
se importa, quem perde é que tem de se importar.
Mesmo no
desporto, o espírito desportivo está ao serviço de um resultado, de tal modo
que não tens de saber jogar, ou de jogar bem, ou de jogar melhor, se souberes
alcançar o resultado. E se não for o resultado do jogo, daquele jogo, que seja
o resultado do teu jogo, no qual aquele é apenas um episódio, uma jogada, como
uma manobra para despistar o adversário.
Mais tarde, já adultos,
talvez peões de jogos cada vez mais complexos, talvez sonhando, ainda,
quixotescamente, serão tanto mais a realização daquilo que para eles o ensino e
a educação prepararam, quanto menos tiverem a noção daquilo em que os tornaram,
ou em que eles se tornaram.
Quanto aos gurus,
se fossem árbitros do jogo, talvez alterassem as regras, mas a viciação não,
até porque faz parte do jogo e não respeitar as regras também é batota.
quinta-feira, 23 de setembro de 2021
Disse república?
Eu penso que sou republicano, mas o país é uma caterva de tribos nostálgicas das fachadas de linhagens e fidalguias que nunca tiveram, que praticam a vassalagem, o nepotismo, o compadrio e o favorecimento, como sistema de valores democráticos, perante o altar da inclusão, igualdade de oportunidades e liberdade, desde que lhes esteja assegurada a parte de leão, em que a justiça prima por não cometer injustiças contra algum corrupto menos feliz.
Quem não
gostaria de ser monárquico se pudesse ser rei, de preferência absoluto?
sexta-feira, 17 de setembro de 2021
A escola pública
Se há áreas em que o Estado tem uma função prioritária e de primordial relevância social como promotor e garante do bem comum, da igualdade na liberdade e da liberdade na igualdade, a escola pública é sem dúvida estratégica, mas tem sido um instrumento de instrução e de educação muito negligenciado, como normalmente tem sido negligenciado o investimento na cultura do conhecimento para a democracia, para a justiça e para a paz.
A pessoa, os seres humanos, apesar dos discursos politicamente correctos e muito farisaicos de tantos cónegos Remédios com investidura em cargos políticos da maior responsabilidade, na prática, continuam a ser tratados e considerados, para todos os efeitos, numa vertente económica meramente mercantil de rentabilidade imediata.
Esta redução dos problemas políticos e sociais à expressão mais
simples do seu potencial para gerar negócio lucrativo à escala piramidal das
lógicas financeiras, tem sido o princípio e o critério que presidem a todo o
discurso e acção política, que são assumidos como valores, ou virtudes, quando
deviam ser vistos e assumidos como o grande constrangimento ao Estado, que dita
às forças políticas os seus limites e as condições do seu exercício, ainda
antes de elas se manifestarem.
E este
constrangimento é de tal modo estrutural que os cidadãos o percebem claramente
e está na origem da pobreza das alternativas à governação e também explica em
grande parte a tendência crescente para uma abstenção desencantada.
domingo, 22 de agosto de 2021
A racionalidade dos animais
A minha teoria,
passe a imodéstia (e já estou a lançar uma provocação) sobre a racionalidade e
o início da racionalidade, que neurocientistas mapearão no caminho dos sistemas
de cognição dos seres vivos até ao sistema de consciência, é que a
racionalidade é um acto de consciência acerca de relações entre dois ou mais
termos (representações), assumindo, ou não, valores. A maior confusão que existe,
no que toca ao discurso sobre a realidade, seja cultural ou meramente natural
(física), tem a ver com a ideia de que, por exemplo, o pensamento mitológico
não é racional ou não é tão racional como outros pensamentos racionais. A minha
teoria é que o pensamento humano, desde o início, é racional e que o racional,
além de ser uma aptidão natural dos seres vivos, atingiu as proporções, ou a
escala, ou o calibre, que tem no ser humano, pela capacidade neurológica deste
em exercer essa racionalidade sobre termos abstratos, ainda que meramente
imaginados, ou inferidos, numa teia sem fim. De modo que o pensamento racional
não é por ser racional que merece credibilidade, ou que corresponde a factos.
Mas temos toda a
cultura e civilização para ilustrar esse fenómeno da racionalidade sobre dados
falseados, ilusórios, viciados, fictícios, meramente hipotéticos.
O nosso problema
não é a racionalidade, mas os termos, ou os dados, sobre os quais ela opera e o
modo, mais ou menos condicionado, como opera.
A nossa
racionalidade sobre os fenómenos naturais não é mais, nem menos, do que a
racionalidade dos primitivos de pensamento mitológico, ou de que os
contemporâneos de pensamento teológico-católico, ou astrofísico. Os termos, ou
os dados sobre os quais se exerce é que são outros.
Daqui por uns anos,
a nossa racionalidade não será considerada pior se alguém descobrir que tudo
aquilo em que acreditamos, neste momento, é mero efeito do sistema cognitivo
que temos.
sexta-feira, 13 de agosto de 2021
Aproximações à verdade XV
Hilário: o egoísmo
é a lei que rege o humano
Amiga: tudo o que nós
queremos é felicidade
Hilário: no momento
de agir, nem sempre se pensa como deve ser
Amiga: haverá quem
faça algo sabendo que isso lhe trará infelicidade?
Hilário: quando
agimos é porque acreditamos que isso nos interessa
Amiga: mas muitas
vezes chegamos à conclusão de que previmos mal as coisas
Hilário: Aristóteles,
na Ética a Nicómaco, diz que "Ser feliz é uma actividade que requer
toda uma vida e não pode existir em menos tempo"
Amiga: ou a
felicidade de agora pode ser a infelicidade depois
terça-feira, 10 de agosto de 2021
Aproximações à verdade XIV
Hilário: o problema fundamental, na política, não
é quem domina quem
Amiga: pensava que esse era o problema
Hilário: todos sabemos quem domina quem, isso não
é novidade
Amiga: mas é um problema
Hilário: mas não é o problema maior
Amiga: então é porque quem domina não domina
grande coisa
Hilário: ou que não domina algo maior do que si
próprio
Amiga: isso é enganador porque quem domina escolhe
o lado que mais lhe convém
Hilário: quem domina em ditadura, certamente,
domina em democracia
Amiga: então o problema fundamental é o modo como
se domina, democrático ou não.