sábado, 28 de março de 2020

O que não é possível a Deus

Se a vida não fosse maior do que nós e nós não fossemos maiores do que a vida, ter-me-ia por certo esquecido, ou nem sequer teria ouvido, ou entendido, ou dado importância, a uma tentativa do professor de português, do Básico, de explicar para crianças o significado de absurdo. 
O facto é que ficaram gravados na minha memória, o professor, o que ele disse, o contexto e a sala de aula. 
Provavelmente, nem esse professor voltou a pensar no assunto. 
E, dessa aula, apenas recordo esse momento. 
Achei incrível que um padre (esse professor era padre) dissesse, sem subterfúgios, que absurdo é o que nem Deus pode fazer. 
E deu como exemplo que, se a caneta caísse ao chão, nem Deus era capaz de fazer com que ela não tivesse caído. 
Fiquei deslumbrado, porque isso punha em causa o que sempre ouvira dizer, que a Deus nada era impossível. 
Mas o que não é possível a Deus, felizmente, é possível aos cientistas, aos músicos, aos pintores, aos filósofos, aos professores e aos poetas.

segunda-feira, 23 de março de 2020

Equações=

A discussão sobre o conhecimento e sobre a linguagem, sobre as humanidades, as artes, as expressões, as ciências...não pode ignorar a ciência feita sobre essa mesma discussão e que é uma vasta filosofia, no melhor sentido da palavra, considerando as duas vertentes privilegiadas de produção de conhecimento, a dedução, a partir do que se conhece e a indução, partindo de hipóteses...
As equações são um bom ponto de partida para pensarmos na consistência dos nossos conhecimentos, sejam eles mais matemáticos ou menos. 
No fundo, estamos constantemente a equacionar e a procurar resolver equações. 
Neste pormenor, o que me parece distinguir mais as ciências, o conhecimento científico, das outras modalidades de conhecimento, competências, respostas, comportamentos, é sobretudo o modo e a linguagem em que equacionam os problemas e o modo e a linguagem em que resolvem, quando resolvem, as equações.
Todos nós passamos os dias a equacionar e a resolver equações e deitamo-nos com as equações, acordamos com elas e não nos livramos delas. 
Quando resolvemos umas, logo emergem outras e isto tanto acontece na música, como nas línguas, como na pintura, na moral, ou na religião...
Na matemática, as equações, tanto quanto sei, são da ordem numérica, do mais, do menos, da multiplicação, da divisão, da proporção, da progressão, regressão, finito, infinito, etc., e o significado, muitas vezes, depende de algum atributo dos números, como, por exemplo, "3000 mortos", em que mortos é decisivo no significado.

sábado, 29 de fevereiro de 2020

Precisas de ter algo mais do que razão

O pragmatismo e o realismo aconselham a que analisemos os problemas em escalas adequadas, concedendo a cada realidade a respectiva representação relativa. 
Ainda não vi um método, que urge criar, de "elaboração de mapas à escala dos problemas e das soluções...". 
Sem isso, andamos à deriva, como tontos, uns que colocam o problema do álcool no centro do universo, outros que colocam o centro do universo no álcool e por aí adiante.
O que me faz estar aqui a escrever, em vez de estar numa manifestação contra o governo? 
E que seria melhor? Para mim ou para os outros? 
Enquanto estou aqui a escrever, morre gente que outras pessoas tentam acudir, mesmo depois de mortas, com orações...
São poucas as pessoas que têm predisposição para a razão. 
Na realidade, nem os crentes/praticantes da religião estão sequer tentados a interrogar-se e, muito menos, discutir, seja o que for.
Ninguém vai à igreja por uma razão que seja a de ter razão, do mesmo modo que um político não quer ouvir falar em razão, nem precisa de ter, nem esse é o seu negócio. São os interesses, o nepotismo, as alianças, os compadrios, a corrupção, os apoios, os votos, as aclamações, que valem.
Ter razão não vale nada.
Ninguém está interessado em algo que vale nada.
Alguém está interessado na morte de Deus e, mais ainda, na suspensão da morte de Deus de Nietzsche?
Os nossos governantes (a quem tudo devemos, excepto a razão) têm horror à razão e, com razão.

sábado, 15 de fevereiro de 2020

O professor é um escravo de todos os deveres

Pode-se dizer coisas lindíssimas sobre o papel do professor e os professores merecem e precisam que se digam. Uma delas não é certamente o mito, ideal, ou mesmo utopia, em que o professor foi sendo transformado. O professor tem muitas razões para odiar muita coisa, mas não tem outro poder ou outra saída que não seja amar tudo e todos, e de um modo que o torne ainda melhor professor.
O professor é um escravo de todos os deveres.
Não conheço outra profissão, e já exerci também, pelo menos, a de advogado, que tenha tantos deveres e esteja sujeita a tantas exigências e expectativas e críticas e manipulações ou tentativas de manipulação e assédio moral e "bullying" e comiseração.
É a única profissão em que, até os sindicatos não os representam e os tratam mal.

sábado, 25 de janeiro de 2020

Democracia, poder de uma minoria?


É preciso dar atenção à abstenção e tirar ilações, em vez de eleições, porque a democracia já se tornou, também nos EUA, um regime de domínio de uma minoria, a dos super-ricos, em contraste com a ideia de democracia que está na base da própria Constituição dos EUA. Não obstante, a alternativa que alguns partidos nos apontam não é melhor. Estou a pensar naqueles que acusam (falsamente) os governos de terem andado a favorecer os mais carenciados e os que trabalham, e que pedem mais proteção para os que vivem da exploração e da especulação e da corrupção, que já detêm o grosso da riqueza que outros andaram a criar.

sábado, 21 de dezembro de 2019

O sentido da vida

Ainda bem que a filosofia, e não tanto a investigação empírica, não tem como objecto a formulação de receitas para responder a questões e, muito menos, a resposta teórica a problemas de ordem prática.
A própria questão do sentido dificilmente será uma questão objectiva, quanto mais a questão do sentido da vida, da minha para os outros, para mim, e dos outros para mim, para eles. E, em tudo o que tiver de objectivo, provavelmente, já não é uma questão do sentido que se interroga, mas do sentido de que se parte.
Dentro das escalas e acepções possíveis de sentidos, imediatos, de mero expediente, de sobrevivência, ou teleológicos, biológicos, culturais, é possível concluir que tudo faz sentido ou não consoante a "oferta" de "sentido" disponível na cultura.
Do mesmo modo e ainda de acordo com essa oferta, seja ela religiosa, filosófica ou científica, não existe nenhuma "oferta" meramente subjectivista. A própria religião recusa peremptoriamente qualquer resposta subjectivista, relativista, pessimista, para a questão do sentido da vida.