quarta-feira, 25 de julho de 2018

Estado ao serviço de interesses privados é que não



Vou tocar simplesmente num ponto: a recuperação da função do Estado. Este é um nó górdio. Não se trata de recuperar propriamente, mas de atribuir, sim, atribuir ao Estado poderes que não tem e nunca teve. Só que o próprio conceito de Estado, na atualidade, está desfasado e o Estado, na acepção clássica, já deixou de existir.
De qualquer modo, os políticos, na sua proeminente parolice de arrivistas, quais clérigos de antanho... adoram o Estado, que é um Estado desses políticos oportunistas, rurais, labregos...É o que temos tido. E à sua sombra, medram os que se dizem inimigos do Estado, privados muito interventivos e críticos do seu peso. Sem o Estado não sobreviveriam.
E o Estado continua, como antigamente, na sua função espoliadora e agressora, sem respeito pelos contribuintes. Ninguém quer um Estado destes, a não ser os tais beneficiários, mormente os políticos, que todos conhecemos. Isto até parece um discurso de extrema direita e fico preocupado, sinto-me mal ao verificar que as críticas que se fazem ao Estado incidem sobre os partidos políticos que têm governado tão mal...Os partidos que capturaram o Estado são responsáveis por isso e devem ser responsabilizados.
Há um fracasso, que se manifesta mas não se assume, dos modelos políticos em vigor. Há muito que se deveria ter resolvido o problema daquilo que pode e deve ficar no âmbito do privado do que tem que ser regido e conduzido coletivamente. Os líderes políticos continuam a portar-se como caixas de ressonância de uma visão dos almanaques de há cem anos.
Ninguém com vergonha fala, hoje, em público, do alto dos seus milhões, para dar lições à humanidade. O mercado tem uma lógica que pode ser boa ou má. O Estado não tem sido capaz, em geral, de escolher o que deve ser mercado ou não e isso está a ser fatal, sobretudo porque, hoje, não faz muito sentido falar de Estado como boa solução ou a melhor e mais racional forma de gestão dos problemas humanos planetários e, quando falamos de Estados, subsistem ou agravam-se os problemas.
A iniciativa privada e o capitalismo são perfeitamente autofágicas, amorais/imorais, ou seja, todo e qualquer problema que surja, é, mercantilmente, positivo. A guerra, a destruição de uma floresta, a doença, a morte...Não consegue ver nada de negativo, porque o negativo já não existe...
Se o Estado, no (des)concerto dos Estados, puder ter alguma função útil, e volto a sentir incómodo ao dizê-lo, como se estivesse a concordar com os que defendem o fim do Estado, deverá ser na identificação e preservação daquilo que pode ser alienado à iniciativa privada sem prejuízo dos interesses coletivos. Um Estado ao serviço de interesses privados é que não. Temos pago muito caro e estamos fartos disso.

quarta-feira, 4 de julho de 2018

Os problemas não existiriam se não fossem criados


Não podemos ignorar que a escola, as escolas, com seus critérios e com a sua falta de critérios, apanham na rede todas as crianças, das mais entusiásticas e iludidas (crentes) às mais tristes e maltratadas. 
Gostar da escola é um problema tão grave, ou ainda mais, do que não gostar. Ou, por outra, não gostar da escola não seria um problema se não fosse um problema gostar da escola. 
Os problemas não existiriam se não fossem criados. 
Pode não haver, em última análise, criacionismo culpabilizante, mas há uma angústia, até na alegria dos resultados. 
A sensação de que se vive para as convenções e de que não há alternativas ao faz de conta que conta, pode ser intransponível para muitas crianças e jovens (os adultos já se acostumaram), enquanto para outros será muito natural e, a breve trecho, espectacular.
Este contexto está longe de ser selvagem, mas as oportunidades e os proveitos não. 
Quem está interessado na verdade? 
E na verdade desportiva? 
Só de pensar no que seria necessário para encarar a realidade, faz preferir continuar na ilusão.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

À revelia de nós


As ideias e os ideais não brotam do nada, derivam de percepções da realidade. Não são uma fotografia do que se vê ou outro registo sensorial, intelectual, etc., em forma de cópia. São uma elaboração complexa das percepções processadas na pessoa mas não necessariamente pela pessoa. 
Quer dizer, é um processo em que a vontade do sujeito normalmente não intervém e, quando intervém, é já numa fase de elaboração avançada. 
Que representação podemos fazer, por exemplo, de uma coisa que nunca vimos? 
Ou, que representação podemos fazer por exemplo de um cheiro? 
De uma voz, ou de um som, ou de um paladar, ou de uma dor de dentes?
Que ideia poderia o homem fazer de Deus, antes de Jesus Cristo?
E Que ideia pode o homem fazer de Deus, depois de Jesus Cristo?
Num determinado momento a nossa consciência abarca menos, incomensuravelmente menos, do que aquilo de que temos alguma forma de memória. 
O campo da nossa consciência é de uma estreiteza atroz e a liberdade de acesso aos arquivos é implacavelmente condicionada a determinadas formas de memória (da tal a que me refiro no texto acima). 
Mas parece plausível admitir que existem memórias de outra ordem, biológicas, genéticas, instintivas, etc., que escapam ao nosso controle. E saberes implícitos, imensos.
A nossa personalidade é constituída pela extrema complexidade dessa espécie de existência à revelia de nós. 
Da nossa conta e responsabilidade é uma parte pequena comparativamente à parte revel. Se esta for "boa", sorte a nossa. Se for má...Azar.

domingo, 27 de maio de 2018

Podemos estar descansados porque é impossível violar uma lei da natureza?

Pode-se ser acutilante no modo como se pretende surpreender as ideias feitas com outras ideias feitas. 
Todo o cuidado é pouco, porém, quando se trata de palavras e de ideias, mormente de ideias feitas, por mais louvável que seja a intenção.
Uma coisa é um assumido ator teatral dizer “vou desfazer algumas ideias feitas com outras ideias feitas ainda melhor”, para a gente se rir e outra é um assumido cientista garantir que assim faz, na verdade.
Alguém diz que o natural é necessariamente bom? 
Alguém diz que o natural não é necessariamente bom? 
Afinal, o que é natural e o que não é? Um pântano? 
E o que é bom? Para quem? Para quê? Para quando? Em que escala?
O que é necessariamente bom? 
E se não é bom, que é que é melhor? …
Nada é necessariamente bom. Nada é necessariamente melhor. Não era necessário enfatizar o óbvio. Jogar com as palavras roubando-lhes o palco? 
O problema implícito, se o há, não será de ordem filosófica e a insinuada solução filosófica, que não é, haveria de ser de ordem prática.
Podemos estar descansados porque é impossível violar uma lei da natureza?

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Democracia e capitalismo

   Do mesmo modo que há quem diga que a democracia é incompatível com o capitalismo, há quem diga que o capitalismo é inimigo das humanidades e das artes, ou, pelo menos, dos artistas, em geral. 
   Parece evidente que o critério do valor mercantil é, não apenas, um perigo, mas também, uma herança cultural que já deixou seu rastro de destruição e morte, como nunca visto antes. 
   Mas continua em vigor, até porque tem a virtualidade de ser, ao mesmo tempo, inseminador, reprodutor, colonizador, predador, abutre e sacerdote. 
   Até dos próprios erros e guerras e mortos tira dividendos. 
   Dir-se-ia que é um sistema económico-político perfeito, porque não tem perdas, ou, pelo menos, não as contabiliza, por não fazerem sentido no seu ideário. 
   E é um sistema com efeitos sociais trágicos, se não for matizado com umas condescendências "irracionais" que evitem os extremos da sua lógica cruel.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

25 de abril de 1974

As ditaduras travam, entravam, impedem as revoluções de que é feita a vida e a sociedade, revoluções silenciosas e persistentes, ou nem tanto, que cada um de nós faz ou pode fazer. As ditaduras são horríveis, são máquinas de autoridade, de pensamento único, que empoderam apenas aqueles que alinham e se conformam, normalmente por conveniência e interesse particular. Elas produzam os seus mitos e propagam-nos sem constrangimentos. Mas acabam por ser vítimas de si próprias, do seu próprio veneno, das suas próprias sombras e dos seus próprios algozes. 

Em democracia, também ocorrem muitos desses problemas endémicos às estruturas de poder e à rigidez hierárquica das organizações, com os seus sistemas de controlo, de competição e de soberbias por benesses, favores, vantagens e acréscimos pecuniários/estatutários, mas não podemos deixar de valorizar sobretudo a liberdade de expressão e de reconhecer a importância de poder escrutinar os poderes, de os denunciar e de os fazer sentar nos bancos dos réus.

E que a revolução, as revoluções, prossigam o seu curso, porque a revolução pode ser cada um de nós, em vez de a esperarmos, em vez de as esperarmos, as revoluções, que estão a acontecer, mais rapidamente do que nos apercebemos.
Infelizmente, muitos dos que, oportunisticamente, apanharam o comboio do 25 de abril de 1974, viram na liberdade uma oportunidade de conquistarem o poder e tantos privilégios criminosos.
Os resultados estão à vista, mas não estariam à vista numa ditadura.

domingo, 22 de abril de 2018

A realidade fascinante dos números


Não é despiciendo observar que os primeiros professores de aritmética possam ter um papel importante na preparação das crianças para o gosto e a desenvoltura na matemática. 
Presumo, dada a relevância do assunto, que já existam muitos estudos credíveis que expliquem o fenómeno da dificuldade generalizada da matemática para os estudantes.
Por mim, baseado apenas no que concluo da experiência, há uma razão para essa dificuldade. Para a maioria das crianças, o contacto e manuseamento dos números, medidas, pesos, tabelas, escalas, proporções... dá-se formalmente na escola, numa idade em que a criança estando bastante familiarizada com a língua falada e escrita, ainda não teve, ou teve muito fortuitamente, contacto, nem sequer de audiva, com a linguagem dos números.
Haverá casos, e isso seria interessante averiguar, de indivíduos que tiveram muito sucesso na matemática cuja infância foi alheada dos números, e vice-versa. Mas parece-me óbvio que, enquanto o contacto com a linguagem verbal se inicia ainda no ventre da mãe e continua logo após o nascimento, o contacto com a linguagem algébrica raramente acontece antes da escola. Se este primeiro contacto não for adequado, e sobretudo se não for o melhor, porque o(a) professor(a) não gosta de números, dificilmente a criança descobrirá essa realidade fascinante que é, afinal, uma realidade do quotidiano, do merceeiro, do calceteiro, do alfaiate e do banqueiro...