domingo, 22 de abril de 2018

A realidade fascinante dos números


Não é despiciendo observar que os primeiros professores de aritmética possam ter um papel importante na preparação das crianças para o gosto e a desenvoltura na matemática. 
Presumo, dada a relevância do assunto, que já existam muitos estudos credíveis que expliquem o fenómeno da dificuldade generalizada da matemática para os estudantes.
Por mim, baseado apenas no que concluo da experiência, há uma razão para essa dificuldade. Para a maioria das crianças, o contacto e manuseamento dos números, medidas, pesos, tabelas, escalas, proporções... dá-se formalmente na escola, numa idade em que a criança estando bastante familiarizada com a língua falada e escrita, ainda não teve, ou teve muito fortuitamente, contacto, nem sequer de audiva, com a linguagem dos números.
Haverá casos, e isso seria interessante averiguar, de indivíduos que tiveram muito sucesso na matemática cuja infância foi alheada dos números, e vice-versa. Mas parece-me óbvio que, enquanto o contacto com a linguagem verbal se inicia ainda no ventre da mãe e continua logo após o nascimento, o contacto com a linguagem algébrica raramente acontece antes da escola. Se este primeiro contacto não for adequado, e sobretudo se não for o melhor, porque o(a) professor(a) não gosta de números, dificilmente a criança descobrirá essa realidade fascinante que é, afinal, uma realidade do quotidiano, do merceeiro, do calceteiro, do alfaiate e do banqueiro...

terça-feira, 10 de abril de 2018

Se Deus ouvisse as preces


Ter ou não ter esperança, no que a Deus respeitar, é irrelevante. Adorar a Deus, idem. O que tiver que ser será. Até agora, nada nem ninguém provou o contrário e é bom que assim seja, que nada dependa de rezas e de bênçãos. Como seria impossível viver se Deus ouvisse as preces e atendesse às oferendas?! No AT Caim matou Abel por acreditar nisto...

segunda-feira, 9 de abril de 2018

O poder dos que não têm poder


Inclino-me a pensar que os que não têm poder influenciam muito e de muitas maneiras a vida dos que têm poder. 
O poder nada seria sem aqueles que não têm poder.

domingo, 1 de abril de 2018

Deuses deus religiões fé

Propunha, a quem se interesse pela questão de Deus, ou dos deuses, que recuasse no tempo para tentar restabelecer o trato sucessivo deste problema, que é uma herança religiosa e mitológica, mas que os gregos, fazendo incidir a Razão sobre essa herança pré-filosófica, transformaram em filosofia sobre o mundo, sua origem e suas forças…
Para Aristóteles, que alguns consideram pai da Lógica Formal e do método científico, «até o apaixonado pelo mito é, à sua maneira, um filósofo».
Tomemos, por momentos, o Atomismo de Epicuro, a atitude mental com que o filósofo abordou a matéria. Não obstante ser racionalista e materialista, não era ateu.
Para um bom observador, mesmo do nosso tempo, a natureza é uma “luta”, uma “dinâmica” de forças motrizes, aparentemente antagónicas, que culminam numa hierarquia entre deuses e gigantes e os outros. «A sugestão de Anaxágoras de que a força motriz podia ser uma Inteligência capaz de ordenar todas as coisas, foi retomada por Platão e incorporada na sua religião».
Ora, já em tempos mais recuados, os nossos antepassados revelavam um pendor impressionante para se interrogarem e refletirem sobre questões que não “podiam” depender da observação e da perceção sensorial.
Então, como agora, com as devidas proporções, o empírico não era revelador, pelo contrário, parecia ocultar. E o oculto aos sentidos tornava-se um desafio à curiosidade e ao desejo de explicação.
Nesses tempos, o empírico era menosprezado nas respostas que podia dar às grandes questões desses tempos. O próprio Epicuro, com o Atomismo, e paradoxalmente, porque afirmava fundamentar-se no testemunho dos sentidos infalíveis, não passava de um dogmático. “A teoria atomista não é uma hipótese que possa ser verificada pela sensação, nem se põe a questão de ela ser rejeitada como falsa”.
Nesses tempos, a preocupação, em termos de conhecimento, focava-se na “inteligibilidade”, “na intuição imediata de uma proposição evidente em si mesma”, na “evolução” das coisas, desde um “princípio” até à ordem conhecida, de verdades e de objetos do domínio do totalmente impercetível, problemas insolúveis que estão para além do alcance da observação, a origem do mundo e o “que se passa no céu e debaixo da terra”…
Somos capazes de pensar e chegar a conclusões verdadeiras, em muito mais coisas do que conseguimos experimentar, observar ou imaginar.
Ao olharem para o mundo, ao observarem uma ordem, ao pensarem num processo, os nossos antepassados pré-helénicos, seguiram uma via racional e inteligente, diria mesmo, surpreendentemente condizente, ou, ainda assim, próxima das modernas teorias cosmogónicas.
Os filósofos gregos perceberam que nos mitos cosmogónicos havia problemas implícitos. De pergunta em pergunta, chegaram a questões essenciais sobre o estado original das coisas, a formação do universo, a composição da matéria, o aparecimento da vida, a ocorrência das forças antagónicas, o movimento, a inteligência, a faculdade da sensação, a maneira como é adquirido o conhecimento, a teoria das ideias, “como podemos procurar uma coisa que não conhecemos e como havemos de saber quando a encontramos?”, “pode a virtude ser ensinada?”…
De certa forma, a mitologia era a linguagem possível de uma racionalidade sobre “casos” passados que permaneciam desconhecidos. A perceção de que o oculto, o desconhecido, o “inadvinhável”, o incontrolável poderoso, o misterioso inatingível, o “indeterminado” de Anaximandro, vai ganhando vulto à medida que as questões vão sendo colocadas, faz aumentar a margem de especulação e de tentativas de explicação.
Se os poetas criaram os deuses, também “tiveram de” criar a explicação da sua origem. No poema de Parménides, “o Ser não pode surgir do Não-Ser, nem pode deixar de ser”.
“A natureza das coisas ou origem do mundo ordenado é uma substância única”, etc….
“Toda a filosofia se baseia no postulado de que o mundo tem de ser uma ordem inteligível e não apenas uma confusão de vistas e sons a inundarem-nos os sentidos a cada momento”.
“A filosofia é responsável por um dos alicerces de uma religião monoteística e universal, na qual foi possível ao Logos de Heraclito e ao Espírito de Anaxágoras fundirem-se com um Zeus espiritualizado”.
No sistema de Epicuro, “uma das suas três partes tratava das coisas que eram totalmente impercetíveis aos sentidos e acessíveis apenas ao pensamento: os deuses e as realidades materiais últimas, os átomos e o vácuo”.
Volvidos tantos séculos, nem o cristianismo, nem o islamismo, nem a revolução técnico-científica parecem ter acrescentado algo de consideravelmente esclarecedor sobre os deuses, Deus, Logos, empirismo…
Surpreendentemente, se alguma religião deu um contributo para resolver o problema da origem do mundo, foram as mitologias pagãs.
A filosofia dos gregos encontrou nelas o problema e as hipóteses para a investigação.
Os deuses ou o deus necessário não parecem ter correspondência com o Deus hebraico-cristão, nem quanto aos atributos, nem quanto à função. A invenção de deuses ou de Deus, não tendo sido arbitrária, porque respondeu a uma série de processos silogísticos, deixou de ser uma simples questão de conhecimento e foi sendo, cada vez mais, ao longo dos tempos, uma questão de autoridade, domínio e influência. É desta apropriação dos poderes de Deus, ou dos deuses, pelos profetas, sacerdotes, reis, alguns dos quais se entronizaram como divinos, e pelos fiéis, que a humanidade tem estado dependente e, consentidamente, refém.
Os poderes transformaram a questão de Deus, ou dos deuses, numa questão de fé no divino.
Se bem que nenhum escrito tenha sido atribuído a Jesus Cristo, o que o absolve das graves acusações que referi, tenho a convicção de que nada sabemos sobre Deus, ou deuses, a não ser o que filosoficamente nos permitem as deduções.
Neste caso, aceitar um deus ou deuses, segundo os mesmos princípios de conhecimento e a mesma lógica, implica concluir que não fala, não se faz entender, não intervém, não dá qualquer sinal da sua existência, nem das suas características ou atributos… Se o meu testemunho não for tido em menos conta do que o testemunho dos profetas ou dos videntes, ou dos poetas inspirados pelas musas.
(As frases colocadas entre "comas", foram copiadas do livro Principium Sapientiae, as origens do pensamento filosófico grego, de F. M. Cornford)

sábado, 3 de março de 2018

O poder da literatura

A literatura (da poesia ao ensaio, passando pelo romance e pela profecia, adivinhação, ladainha, canção, fado, escárnio, maldizer, drama de faca e alguidar, relatos, de viagens, de todo o tipo de crónicas e de policiais, até às orações e sermões e elogios...) permite uma expressão verbal, praticamente sem limites, de todo o tipo de representação ou signo, sem condicionamentos de lógica, sentido, significado, noção, conceito, moral, licitude, virtude, respeito, dever, etc.
À literatura nada é vedado, nem a invenção, nem a mentira, nem a verdade, sobretudo aquela verdade em que tanto se vive, que é uma verdade feita de falsidades, hipocrisias e mentiras. Na minha biblioteca de filosofia e de ciência e mesmo de uma grande parte da literatura (bem comportada) é tudo tão convencional, tão conceitual, tão voltado para o objeto que pouca diferença faz ler um livro escrito há mil anos ou um acabado de sair. 
       Dá a impressão de que a vida e a história, as traições, as trapaças, o assédio, o incesto, as vigarices, os roubos, as violações, as escravaturas, as guerras ocultas, os ódios inconfessáveis, os fantasmas invencíveis que atormentam até os mais esclarecidos filósofos e cientistas, as verdadeiras dores e misérias humanas, da guerra e da discriminação que tantas pessoas sofrem...dá a impressão de que nada disso acontece. Tudo é transformado em conceito abstrato, ou seja, em nada mais do que ideia.
A literatura pode, e muitas vezes tem-no conseguido, "falar" da vida como ela é, sem estar subjugada sequer a qualquer dever de "falar" e, menos ainda, de "falar" como deve ser.
Tudo é susceptível de ser utilizado, tocado, tratado ou maltratado, incorporado, atacado, "destruído", pela literatura, que pode ser usada como arma impiedosamente letal de religiões e de costumes e, quantas vezes, de pessoas já mortas, ressuscitando-as em memórias para as poder matar as vezes que for preciso... ou amar sem limites.
Na minha biblioteca de filosofia e de ciências e de literatura, só alguns livros de literatura me falam da verdadeira vida e do pensamento e das ideias e dos fantasmas, dos medos e das tormentas e das injustiças irremediáveis, da dor que impede os humanos de serem felizes e da grandeza, da magnanimidade daqueles que, apesar de tudo, garantem, com o seu trabalho e a sua virtude e o seu talento, a vitória da vida sobre a morte e do bem sobre o mal. 
         Ela denuncia as podridões e os heroísmos dos justos, ela nos mostra o verdadeiro rosto por trás das máscaras, despertando-nos de ingenuidades perigosas e inocências fatais, chamando as coisas pelos nomes...porque as palavras são, quase sempre, a única arma de que dispomos no conflito interminável com os demónios e os deuses e também é com palavras que podemos construir as nossas asas e as nossas praças fortes, os nossos tribunais e os nossos paraísos de procura e encontro de sentido para os problemas...
A literatura mostra, patenteia, ostenta, incorpora pelas palavras tudo o que quiser e puder a imaginação do escritor. Muitas vezes até faz um aproveitamento desmesurado da importância de certos assuntos, acontecimentos, realizações, artes, monumentalidades, indo buscar brilho ao próprio objeto. 
     Muitos livros de notáveis escritores são constituídos em 90% de "materiais" artísticos, ou potencialmente estéticos, alheios, seja o convento de Mafra, sejam as personagens bíblicas...
Um homem com a sua ciência e a sua filosofia pode não precisar de uma religião, mas precisa de literatura para sair do deserto.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Perigos da ciência?


     Há quem alerte para os perigos da ciência, mormente para o perigo da criação de monstros cujo poder escapa ao controlo da própria ciência. Dito assim, até parece que a ciência é uma instância diabólica que o homem deve controlar com a religião e a moral. Quero acreditar que isso nem passa pela cabeça de um cientista. 
     A ciência nunca fez nada, nem de bom nem de mau. E nunca fará. 
     E, já agora, nem a filosofia, nem as artes, nem as religiões, nem as literaturas. 
     O problema abordado, que é o do bem e do mal, não é problema das pedras, nem dos átomos, nem do número de voltas que ainda falta para a Terra completar o seu ciclo de existência, ou da quantidade de veneno necessário para matar o tempo... 
     É problema do homem. 
     Pedem-me que acredite que a ciência já se colocou no "lugar" do homem, secundarizando-o, ou que, pior ainda, num "lugar" em que o homem nunca esteve, nem poderá controlar? 
     Em que é que ficamos? Afinal a ciência é o quê? É o conhecimento, fruto do conhecimento da natureza, dócil e domesticada como nenhum outro ramo do conhecimento, ou uma criatura com vontade própria, sem sentimentos e sem alma, cujo dinamismo não faz distinções nem obedece a critérios, ou ao que quer que seja?


domingo, 11 de fevereiro de 2018

Presunção de inocência


A presunção de inocência ou a presunção de culpa, juridicamente e na prática, serão irrelevantes, porque não alteram o estatuto do arguido, nem alteram a realidade dos factos, nem interferem no julgamento. Aliás, como é sabido, "presunção e água benta, cada um toma a que quer". O que justificaria, talvez, não estar a ocupar espaço na letra da lei, que já é tão extensa. 
O problema com interesse, com grande afinidade deste, é o do ónus da prova. Neste ponto, em vez de presumir inocência ou culpa, importa provar. Aliás, uma condenação judicial é uma presunção de culpa ou de imputabilidade, etc.. e uma absolvição nem sequer é uma presunção de inocência, e não é um juízo de inocência
Com o tempo, perante novos elementos de prova, essas presunções podem ser revertidas. Ainda assim, relativamente ao ónus de prova, na minha opinião, no caso de certas entidades políticas e financeiras, pelos cargos que ocupam, pelo que representam, pela posição privilegiada em que sempre estão para apresentarem e fazerem prova, haveria toda a vantagem para a justiça que o ónus da prova recaísse sobre eles e não ao contrário, como sucede. 
Indiciados que fossem da prática de certo tipo de crimes, caber-lhes-ia o ónus de provar o contrário. Atualmente, não têm qualquer ónus. Não precisam de provar nada para serem absolvidos, basta que se frustrem as acusações.