terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Perigos da ciência?


     Há quem alerte para os perigos da ciência, mormente para o perigo da criação de monstros cujo poder escapa ao controlo da própria ciência. Dito assim, até parece que a ciência é uma instância diabólica que o homem deve controlar com a religião e a moral. Quero acreditar que isso nem passa pela cabeça de um cientista. 
     A ciência nunca fez nada, nem de bom nem de mau. E nunca fará. 
     E, já agora, nem a filosofia, nem as artes, nem as religiões, nem as literaturas. 
     O problema abordado, que é o do bem e do mal, não é problema das pedras, nem dos átomos, nem do número de voltas que ainda falta para a Terra completar o seu ciclo de existência, ou da quantidade de veneno necessário para matar o tempo... 
     É problema do homem. 
     Pedem-me que acredite que a ciência já se colocou no "lugar" do homem, secundarizando-o, ou que, pior ainda, num "lugar" em que o homem nunca esteve, nem poderá controlar? 
     Em que é que ficamos? Afinal a ciência é o quê? É o conhecimento, fruto do conhecimento da natureza, dócil e domesticada como nenhum outro ramo do conhecimento, ou uma criatura com vontade própria, sem sentimentos e sem alma, cujo dinamismo não faz distinções nem obedece a critérios, ou ao que quer que seja?


domingo, 11 de fevereiro de 2018

Presunção de inocência


A presunção de inocência ou a presunção de culpa, juridicamente e na prática, serão irrelevantes, porque não alteram o estatuto do arguido, nem alteram a realidade dos factos, nem interferem no julgamento. Aliás, como é sabido, "presunção e água benta, cada um toma a que quer". O que justificaria, talvez, não estar a ocupar espaço na letra da lei, que já é tão extensa. 
O problema com interesse, com grande afinidade deste, é o do ónus da prova. Neste ponto, em vez de presumir inocência ou culpa, importa provar. Aliás, uma condenação judicial é uma presunção de culpa ou de imputabilidade, etc.. e uma absolvição nem sequer é uma presunção de inocência, e não é um juízo de inocência
Com o tempo, perante novos elementos de prova, essas presunções podem ser revertidas. Ainda assim, relativamente ao ónus de prova, na minha opinião, no caso de certas entidades políticas e financeiras, pelos cargos que ocupam, pelo que representam, pela posição privilegiada em que sempre estão para apresentarem e fazerem prova, haveria toda a vantagem para a justiça que o ónus da prova recaísse sobre eles e não ao contrário, como sucede. 
Indiciados que fossem da prática de certo tipo de crimes, caber-lhes-ia o ónus de provar o contrário. Atualmente, não têm qualquer ónus. Não precisam de provar nada para serem absolvidos, basta que se frustrem as acusações.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Não há esperança sem Deus


Acho incrível que ateus encontrem interesse em questões que são não questões, como esta. Com ou sem Deus, exista ou não, a esperança não depende do problema da existência de Deus, podendo embora depender da crença em Deus, qualquer que seja, bíblico ou não. Mesmo assim, para o pecador, daqueles pecados de morte, a esperança não está em Deus, mas pode estar numa estratégia psicológica, por mais absurda que seja. Ter esperança não significa ter a solução de um problema.E, porque assim é, com ou sem Deus, o importante é ter esperança, mas a esperança, é o quê? O salvo conduto para o paraíso das maldivas? Ou o que nos livra do inferno? A esperança em Deus é a "certeza" de que a promessa de Deus, tal como os livros sagrados e a igreja asseveram, se vai cumprir. O reino de Deus é feito de promessas, mas de promessas garantidas. Não garantidas ao ponto de as termos por certas, apenas de as termos dependentes do cumprimento de um conjunto de obrigações.Tudo isto não tem nada a ver com Deus existir ou não, mas se retirarmos esta dinâmica do contexto religioso de Deus e das igrejas, a esperança fica reduzida a um conjunto de incertezas muito mais desconfortável e, para existir, fica dependente de um conjunto de variáveis que, em última análise, não se verificam. O mesmo é dizer que não há esperança sem Deus.

sábado, 25 de novembro de 2017

Inteligência artificial


A inteligência artificial vai-se impondo por toda a parte e em todas as áreas, para realização de interesses e objetivos, muitos dos quais derivam dessa mesma IA. Não se fica perante a IA na mesma atitude com que se pensa numa árvore, ou num gato. Em ambas as situações pode haver o fascínio e o sentimento do espantoso maravilhoso. Até agora, que eu saiba, a IA ainda não tomou nenhuma iniciativa de nos morder, ou de nos roubar a carteira, mas com os gatos e os macacos, por exemplo, já estamos habituados a ter precauções, porque eles são capazes de muita iniciativa que pode prejudicar-nos. Até agora, que eu saiba, a IA mantém-se na obediência a critérios de decisão e de ação humanos, gerados por humanos e da responsabilidade destes. Todo o malefício ou benefício da IA decorre de uma cadeia de dependência direta, que nos permite pensar nas coisas em moldes muito semelhantes aos que já estamos habituados, ou seja, a IA é um instrumento nas mãos das pessoas.
Até aqui, as ameaças da IA são as ameaças próprias de tudo aquilo que tem potencial destruidor ou danoso e que as pessoas podem usar. Até o uso bem intencionado, muitas vezes, resulta em desastres, tanto maiores quanto maior for o potencial demolidor.
Em variados aspetos, lidar com inteligências dotadas de autonomia faz parte do nosso percurso natural e humano, desde sempre. Diria que os problemas resultam disso mesmo.
A nossa relação com a inteligência dos seres vivos, em geral, e dos humanos, em particular, pauta-se pela complexidade e pela dificuldade em sermos bem sucedidos no nosso egoísmo ou egocentrismo ou cegueira...
Mas a IA já se tornou, há muito, mais do que uma extensão da inteligência humana e as próprias realizações/desempenhos técnicos há muito que ultrapassam inúmeras capacidades humanas e de tantos seres vivos. No voo e na velocidade, para falar na capacidade de locomoção, já se faz há muito o que, por ex., as aves e os camelos não podem fazer. A IA já é, em inúmeros aspetos ou domínios, um recurso que nenhum humano poderia, por si mesmo, substituir. E, olhando, ainda que de uma perspetiva de controlo, para as capacidades dos computadores, já ninguém garante que possamos realmente controlar que eles fazem o que realmente era suposto que fizessem e apenas isso.
Por exemplo, eles podem fazer fraudes tão bem ou melhor do que uma rigorosa contabilidade do sistema bancário. E todo o sistema de controlo terá de ser necessariamente computorizado, por ser humanamente impossível fazê-lo.
O que me preocupa e assusta é esta capacidade para a fraude e para a indução dos humanos em erro.
No entanto, se as pessoas não podem controlar a IA, mas esta tiver capacidades para o fazer, o problema é menos assustador.
E talvez a IA inspire ainda mais otimismo se vier a ser Inteligência, num sentido Universal, que é o que nos tem faltado, essa Inteligência que não permitirá sequer o erro como caminho para a aprendizagem.
Com a IA talvez esqueçamos de dizer que errar é humano e que o próprio fenómeno da evolução deixe de ser natural.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

O real não é o nosso elemento

O problema humano de sempre, que põe o cérebro em água e que, talvez por isso, interesse distrair, é o virtual versus real, que hoje designamos mais como realidade virtual versus realidade.
O nosso ambiente cerebral é virtual e o nosso contacto com a realidade é algo de "catastrófico", como se fossemos toupeiras que veem representações, mais ou menos arbitrárias, acreditando, mais ou menos, que não são representações e, sobretudo, que não são arbitrárias. 
Já nos despedimos desse desconhecido, o dito real, a quem apertamos a mão e, cada vez mais longe do ponto de partida, acenamos para um horizonte indistinto, de ilusões, esperanças, sabemos lá?! O real não é o nosso elemento. 
Paradoxalmente e curiosamente, a ciência vem desenvolvendo o que poderia ser a descoberta/recuperação do real ou o real como nossa condição desconhecida.
É pela mão dessa ciência que o real se torna, então, mais virtual do que alguma vez pareceu, ao ponto de a ciência se colocar a olhar para si mesma com estranheza e desconforto.
Pode-se obrigar alguém a ser ignorante, mas não se pode obrigar alguém a ser alfabetizado e menos ainda conhecedor das letras, ideias e ciências, técnicas, artes e ofícios, desportos e indústrias, culturas e geografias, leis e filosofia dessas áreas todas, literatura de ler e literatura de escrever, etc...E menos ainda, de tudo isso junto e de gestão dos sistemas financeiros internacionais em proveito próprio, com resultados à vista.
Pode-se obrigar a não ser assim ou assado, mas o contrário não.
Nem é razoável esperar que o saber ou o aprender sejam por si sós, intrinsecamente, aptos a merecer ou a despertar o desejo de dedicação e de empenho de alguém.
Diria que as sociedades, de que os sistemas de ensino são uma expressão não despicienda, estão organizadas segundo esquemas e dinâmicas motivacionais extremamente viciados, demolidores e insustentáveis a muito breve prazo. 
Numa palavra, o futuro nunca foge e parece estar cada vez mais próximo, mas nada já se anseia por nada ter um sinal tranquilizador.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Ou o homem ou o planeta


É do senso comum que, quando o financiamento existe, tudo é possível. As duas últimas grandes guerras foram assumidamente projetos dependentes de dinheiro, dinheiro e mais dinheiro. Nessa altura, no mundo cristão, havia quem dissesse "acima de cristo, isto".
É natural que, onde está o ouro, o privilégio, o poder, a liberdade, o prazer, a vaidade, a (vã) glória de reinar, estejam os cardumes ofuscados e os tubarões não menos ofuscados e, um pouco mais longe, os que, simplesmente, detestam toda essa miséria.
Não censuro uns nem outros, mas observo como se torna difícil, triste, cruel e revoltante ter de morrer na esperança de sobreviver.
No fundo, já não acreditamos que o financiamento seja instrumental da construção de um mundo melhor. Muita gente pensa que não há melhor mundo do que o que temos vindo a destruir. E não aceitamos a dificuldade, a tristeza, a revolta e a morte como um preço que nem sequer podemos negociar. É tudo, mais ou menos, da ordem do facto consumado. Fazer primeiro e pensar depois. Falar e, na melhor das hipóteses, pensar depois. Construir à vontade, porque demolir é facílimo. Os seres vivos não param quietos, nem enquanto dormem.
É mais fácil fazer do que pensar e do que falar das coisas e do que escrever sobre as coisas (exceto quando se tem um manual, ou outro reportório, para reproduzir).
É fundamental que se incentive e financie o pensamento e o discurso sobre o ser e o fazer. Não a reprodução do discurso, que é uma praga fatal para a inventividade e a crítica e a ciência.
Vivemos um tempo de reprodução mecânica, que é uma resposta a algum tipo de procura, mas a nossa atenção não pode deixar de focar-se no que isso representa de estéril e de perigoso em termos de sustentabilidade.
Neste ponto, as humanidades vêm abrindo mão de um certo antropocentrismo, que pode ser muito salutar.

Espero que a questão "ou o homem ou o planeta" nunca venha a colocar-se, porque não faria sentido nenhum.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

O que está errado?


Se não quisermos trabalhar no estabelecimento do que está errado no rumo que a humanidade tem tomado, que pode ser um trabalho enfadonho e chato e impopular (e inútil), podemos sempre pensar que nada está errado e continuar.
Afinal, do ponto de vista da natureza das coisas, certo e errado não existe.
É assim que tem funcionado o nosso mundo, sem que as religiões, a ética ou as leis desequilibrassem a balança para um dos lados.
O comportamento dos humanos, enquanto indivíduos, mas sobretudo enquanto grupos e organizações, tem sido de uma irresponsabilidade brutal e demolidora, isto na perspetiva de que a irresponsabilidade de uns é apresentada e aproveitada para justificar uma irresponsabilidade ainda maior de outros e que, todos, só fizeram o que tinham a fazer.
Não sei se a cultura nos salvará de alguma coisa, mas sei que ela é um motor poderosíssimo que se pensa a si mesmo como tal, mas não ao ponto de saber o que quer, de o querer saber, de o fazer crer e de o fazer.

Só por isso, é assustador pensar que, fora da cultura, não existe esperança, não temos nada.