sábado, 25 de novembro de 2017

Inteligência artificial


A inteligência artificial vai-se impondo por toda a parte e em todas as áreas, para realização de interesses e objetivos, muitos dos quais derivam dessa mesma IA. Não se fica perante a IA na mesma atitude com que se pensa numa árvore, ou num gato. Em ambas as situações pode haver o fascínio e o sentimento do espantoso maravilhoso. Até agora, que eu saiba, a IA ainda não tomou nenhuma iniciativa de nos morder, ou de nos roubar a carteira, mas com os gatos e os macacos, por exemplo, já estamos habituados a ter precauções, porque eles são capazes de muita iniciativa que pode prejudicar-nos. Até agora, que eu saiba, a IA mantém-se na obediência a critérios de decisão e de ação humanos, gerados por humanos e da responsabilidade destes. Todo o malefício ou benefício da IA decorre de uma cadeia de dependência direta, que nos permite pensar nas coisas em moldes muito semelhantes aos que já estamos habituados, ou seja, a IA é um instrumento nas mãos das pessoas.
Até aqui, as ameaças da IA são as ameaças próprias de tudo aquilo que tem potencial destruidor ou danoso e que as pessoas podem usar. Até o uso bem intencionado, muitas vezes, resulta em desastres, tanto maiores quanto maior for o potencial demolidor.
Em variados aspetos, lidar com inteligências dotadas de autonomia faz parte do nosso percurso natural e humano, desde sempre. Diria que os problemas resultam disso mesmo.
A nossa relação com a inteligência dos seres vivos, em geral, e dos humanos, em particular, pauta-se pela complexidade e pela dificuldade em sermos bem sucedidos no nosso egoísmo ou egocentrismo ou cegueira...
Mas a IA já se tornou, há muito, mais do que uma extensão da inteligência humana e as próprias realizações/desempenhos técnicos há muito que ultrapassam inúmeras capacidades humanas e de tantos seres vivos. No voo e na velocidade, para falar na capacidade de locomoção, já se faz há muito o que, por ex., as aves e os camelos não podem fazer. A IA já é, em inúmeros aspetos ou domínios, um recurso que nenhum humano poderia, por si mesmo, substituir. E, olhando, ainda que de uma perspetiva de controlo, para as capacidades dos computadores, já ninguém garante que possamos realmente controlar que eles fazem o que realmente era suposto que fizessem e apenas isso.
Por exemplo, eles podem fazer fraudes tão bem ou melhor do que uma rigorosa contabilidade do sistema bancário. E todo o sistema de controlo terá de ser necessariamente computorizado, por ser humanamente impossível fazê-lo.
O que me preocupa e assusta é esta capacidade para a fraude e para a indução dos humanos em erro.
No entanto, se as pessoas não podem controlar a IA, mas esta tiver capacidades para o fazer, o problema é menos assustador.
E talvez a IA inspire ainda mais otimismo se vier a ser Inteligência, num sentido Universal, que é o que nos tem faltado, essa Inteligência que não permitirá sequer o erro como caminho para a aprendizagem.
Com a IA talvez esqueçamos de dizer que errar é humano e que o próprio fenómeno da evolução deixe de ser natural.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

O real não é o nosso elemento

O problema humano de sempre, que põe o cérebro em água e que, talvez por isso, interesse distrair, é o virtual versus real, que hoje designamos mais como realidade virtual versus realidade.
O nosso ambiente cerebral é virtual e o nosso contacto com a realidade é algo de "catastrófico", como se fossemos toupeiras que veem representações, mais ou menos arbitrárias, acreditando, mais ou menos, que não são representações e, sobretudo, que não são arbitrárias. 
Já nos despedimos desse desconhecido, o dito real, a quem apertamos a mão e, cada vez mais longe do ponto de partida, acenamos para um horizonte indistinto, de ilusões, esperanças, sabemos lá?! O real não é o nosso elemento. 
Paradoxalmente e curiosamente, a ciência vem desenvolvendo o que poderia ser a descoberta/recuperação do real ou o real como nossa condição desconhecida.
É pela mão dessa ciência que o real se torna, então, mais virtual do que alguma vez pareceu, ao ponto de a ciência se colocar a olhar para si mesma com estranheza e desconforto.
Pode-se obrigar alguém a ser ignorante, mas não se pode obrigar alguém a ser alfabetizado e menos ainda conhecedor das letras, ideias e ciências, técnicas, artes e ofícios, desportos e indústrias, culturas e geografias, leis e filosofia dessas áreas todas, literatura de ler e literatura de escrever, etc...E menos ainda, de tudo isso junto e de gestão dos sistemas financeiros internacionais em proveito próprio, com resultados à vista.
Pode-se obrigar a não ser assim ou assado, mas o contrário não.
Nem é razoável esperar que o saber ou o aprender sejam por si sós, intrinsecamente, aptos a merecer ou a despertar o desejo de dedicação e de empenho de alguém.
Diria que as sociedades, de que os sistemas de ensino são uma expressão não despicienda, estão organizadas segundo esquemas e dinâmicas motivacionais extremamente viciados, demolidores e insustentáveis a muito breve prazo. 
Numa palavra, o futuro nunca foge e parece estar cada vez mais próximo, mas nada já se anseia por nada ter um sinal tranquilizador.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Ou o homem ou o planeta


É do senso comum que, quando o financiamento existe, tudo é possível. As duas últimas grandes guerras foram assumidamente projetos dependentes de dinheiro, dinheiro e mais dinheiro. Nessa altura, no mundo cristão, havia quem dissesse "acima de cristo, isto".
É natural que, onde está o ouro, o privilégio, o poder, a liberdade, o prazer, a vaidade, a (vã) glória de reinar, estejam os cardumes ofuscados e os tubarões não menos ofuscados e, um pouco mais longe, os que, simplesmente, detestam toda essa miséria.
Não censuro uns nem outros, mas observo como se torna difícil, triste, cruel e revoltante ter de morrer na esperança de sobreviver.
No fundo, já não acreditamos que o financiamento seja instrumental da construção de um mundo melhor. Muita gente pensa que não há melhor mundo do que o que temos vindo a destruir. E não aceitamos a dificuldade, a tristeza, a revolta e a morte como um preço que nem sequer podemos negociar. É tudo, mais ou menos, da ordem do facto consumado. Fazer primeiro e pensar depois. Falar e, na melhor das hipóteses, pensar depois. Construir à vontade, porque demolir é facílimo. Os seres vivos não param quietos, nem enquanto dormem.
É mais fácil fazer do que pensar e do que falar das coisas e do que escrever sobre as coisas (exceto quando se tem um manual, ou outro reportório, para reproduzir).
É fundamental que se incentive e financie o pensamento e o discurso sobre o ser e o fazer. Não a reprodução do discurso, que é uma praga fatal para a inventividade e a crítica e a ciência.
Vivemos um tempo de reprodução mecânica, que é uma resposta a algum tipo de procura, mas a nossa atenção não pode deixar de focar-se no que isso representa de estéril e de perigoso em termos de sustentabilidade.
Neste ponto, as humanidades vêm abrindo mão de um certo antropocentrismo, que pode ser muito salutar.

Espero que a questão "ou o homem ou o planeta" nunca venha a colocar-se, porque não faria sentido nenhum.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

O que está errado?


Se não quisermos trabalhar no estabelecimento do que está errado no rumo que a humanidade tem tomado, que pode ser um trabalho enfadonho e chato e impopular (e inútil), podemos sempre pensar que nada está errado e continuar.
Afinal, do ponto de vista da natureza das coisas, certo e errado não existe.
É assim que tem funcionado o nosso mundo, sem que as religiões, a ética ou as leis desequilibrassem a balança para um dos lados.
O comportamento dos humanos, enquanto indivíduos, mas sobretudo enquanto grupos e organizações, tem sido de uma irresponsabilidade brutal e demolidora, isto na perspetiva de que a irresponsabilidade de uns é apresentada e aproveitada para justificar uma irresponsabilidade ainda maior de outros e que, todos, só fizeram o que tinham a fazer.
Não sei se a cultura nos salvará de alguma coisa, mas sei que ela é um motor poderosíssimo que se pensa a si mesmo como tal, mas não ao ponto de saber o que quer, de o querer saber, de o fazer crer e de o fazer.

Só por isso, é assustador pensar que, fora da cultura, não existe esperança, não temos nada.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Utilidade dos saberes inúteis



Quanto à utilidade dos saberes inúteis, bem, é preciso recuar a um ponto em que os "vícios" da cultura ainda estavam em fase de entranhamento. 
Nunca me preocupei com a utilidade, até ao momento em que entrei para a escola e queria que a professora, a madrinha, o meu pai, a minha mãe, o senhor padre, etc..., gostassem de mim.
Nesses tempos, que já lá vão, tudo, para mim, era útil ou inútil, consoante o jeito que desse, naquela espécie de jogo de quimeras e de vaidades (verdades) infantis, não obstante, extremamente relevantes.
Era o jogo da cultura (da vida), mas depressa me apercebi de que era um jogo viciado. O incitamento para aprender (cultura), ou fazer (produzir) cultura era desproporcionado aos desejos e às necessidades. 
A cultura como meio de atingir objetivos, aos poucos, mostrava dois gumes, e o valor da cultura, tinha uma espécie de preço, pessoal e social, como outra coisa qualquer.
Também tive a minha fase "humilde" de servir a cultura como um pedreiro constrói uma fortaleza, ou um engenheiro fabrica uma bomba, ou um médico trata um doente, ou um poeta morre de tristeza por tudo isso.
Mas a cultura é um produto/efeito do homem, produto esse que, por sua vez, produz/induz/condiciona o homem. 
Então, o problema de existir uma cultura boa e de existir uma cultura má torna-se cultural por excelência.
Afinal, é a cultura científica, tecnológica, das construções, das engenharias e das urbanizações, dos transportes e das energias, dos químicos e das fusões nucleares, das máquinas de guerra e das religiões, das organizações financeiras e industriais, do espetáculo e do desporto, da medicina e da saúde, tudo da máxima utilidade, que está a dar cabo de nós, perdão, do nosso planeta.
Que saudades do tempo em que os portugueses davam a volta ao mundo despoluído, levados pelo vento, talvez acreditando na utilidade do estrume!
Em duzentos anos a cultura mudou tudo. Acreditemos que, nos próximos, também.


sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Qual é a arbitrariedade dos factos?


O que não é arbitrário e sem justificação é, por exemplo, os limites do conhecimento. Ou, ainda, o facto (qual é a arbitrariedade dos factos?) do sofrimento, da dor, da felicidade, da crença de que o sofrimento não é, não pode ser, em vão, tal como não é, nem pode ser, em vão, que existe o universo, porque nada é em vão e, mais importante, ninguém acredita no vão. 
Podemos sempre decidir enterrar crenças e descrenças, como quem enterra mortos ou vivos, que a nossa decisão não altera nada sobre a verdade, não temos qualquer poder de interferência sobre as leis que regem o universo e uma dessas leis, suponho, é que as crenças e as descrenças não são parte delas, mas regem-se por elas. Esta ordem não é normativa. Dever ou não dever haver crenças é uma falsa questão. 
Justificar uma crença, ou tentar justificar uma crença, é o que tem feito avançar o conhecimento e é, justamente, acerca do que não se sabe. Para mim, o mais importante continua a ser, depois de tantos anos a calcorrear este esplendoroso planeta (escandalosamente ardente, ou ardido), que é um incrível cemitério, carregado de vida e de sofrimento, não aquilo que sei, mas o que não sei e o que não se sabe. 
De cada vez que alguém me apresenta um deus, as coisas mudam, e mudam de cada vez que um deus morre. 
O que me interessam, verdadeiramente, não são os significados matemáticos das coisas, por mais instrumental que seja a acústica, enquanto ramo da física. 
Basta-me a música, quando não se ouve mais nada.


domingo, 15 de outubro de 2017

O Deus das religiões e os outros


Quando se fala de Deus, seja o Deus das religiões (que é de extrema complexidade e riqueza), seja o Deus dos filósofos (que é uma espécie de incógnita de uma equação cuja consistência tem resistido a todas as tentativas de rejeição), seja o Deus (que não é Deus, mas que são os pressupostos de inteligibilidade) de quem acredita que tudo o que conhecemos procede e funciona de modos cuja explicação e compreensão vamos descobrindo, está em questão qualquer coisa que transcende os limites do conhecimento, mas não só, porque não se trata apenas da explicação das coisas, do mundo e de nós, mas essencialmente do encontro com o criador, o obreiro, a inteligência, o projeto, o quê, quem, quando, como, porquê, para quê... algo de que não prescindimos e até necessitamos para a nossa identidade, para a explicação de nós, para nos identificarmos a nós mesmos, enquanto pessoas, enquanto humanidade, que se mira a um espelho que devolve mais interrogações do que respostas e tudo isto faz sentido, sempre fez, tudo isto é racional e incontornável.
O Deus das religiões, como não podia deixar de ser, é o mais problemático de todos, porque faz parte e influencia e determina, como nenhum outro, a própria organização político-social e a cultura dos povos que o adotam.
É uma espécie de referencial e matriz valorativa de condutas e comportamentos que foi ganhando caráter de justificação e fundamento para a própria estrutura normativa das sociedades, e foi sendo plasmado em normas que, em algumas sociedades, até tiveram ou ainda têm, força jurídica.
Este Deus é, sem dúvida, muito perigoso e foi, durante muitos séculos, devastador e incontrolável. É um Deus que se coloca, ou é colocado, ao serviço de grupos, de exércitos, de ideologias, de poderes, de desumanidades...É demasiado humano.
O Deus dos outros não é menos Deus, nem menos humano e não me parece tão perigoso.