Pelo respeito e pelo
interesse que merece a ciência (conhecimento e artes e competências, em geral,
são daquelas "coisas" que não se compram, ou se têm ou não e não há
dinheiro que nos emposse de talento como nos empossa de roupa), preciso dizer
que a ciência não está a sufrágio popular, nem qualquer outro e que ser
cientista não é uma questão de votos. Aquele nojo que as campanhas eleitorais
causam com a pedinchice de votos e todos os trejeitos e tiques de proselitismo
dos candidatos, para verem legitimado o seu lugar no poder, felizmente, não faz
parte do universo da ciência e o povo há-de aprender que o poder da ignorância
só dá prejuízo.
O poder da ignorância é, por
exemplo, viver de acordo com o critério do interesse pessoal. Do tipo, "o
que não me interessa, ou, o que não interessa, não vale".
À primeira vista, este
critério parece salvar tudo o que importa e substituir todas as discussões
sobre escolhas, mas só a ignorância consente numa aparência destas.
O partido da
"crença" foi, é e será, enquanto e tanto quanto formos ignorantes, o
maior partido da humanidade.
Crença, não em qualquer
coisa, mas em algo que acreditamos, na medida dos nossos interesses (instinto
de sobrevivência?).
A discussão não é sobre os
fundamentos da crença, mas sobre os interesses da crença. Está aqui envolvido
um sentido prático e uma racionalidade pragmática que são uma fortaleza
daquelas que não se construíam, nem antigamente.
Curioso é que a ciência,
quanto mais se apresenta como a solução, como a infalibilidade (Deus) que foi
retirando à infalibilidade religiosa, tanto mais contestação e desconfiança vai
gerando.
Chegados aqui, ocorre dizer
que não basta à ciência ser ciência para ter credibilidade. As pseudociências,
não sendo ciências mas parecendo, às vezes, têm mais.
Ou seja, o problema da
ciência como crença é um falso problema ou um não problema. O problema é,
sobretudo, de crise de credibilidade da ciência.
Não de credibilidade enquanto
conhecimento que, em geral, não é questionado, mas de credibilidade enquanto
instrumento, que está nas mãos de quem tem interesses que não coincidem com os
interesses dos outros.
Ciência, religião, futebol,
partidos políticos, quanto à questão dos interesses e da credibilidade, jogam
num campo, quanto à questão da crença e do conhecimento, jogam noutro.
Os adeptos que fazem claque
num dos campos, podem ser adversários ou inimigos no outro.
A complicação surge sempre
que nos pomos a falar de ciência e crenças sem definirmos previamente os planos
e os pressupostos, ou os termos, da discussão.
A crença, como dimensão do
conhecimento científico, não é o mesmo que a crença religiosa, a superstição, a
astrologia.
E, em geral, parece-me que a
força das crenças depende muito da credibilidade.
Se a tua crença é credível,
se merece confiança, seja pelos resultados, seja pelos valores envolvidos, o
mais provável é que não a abandones, porque ela serve os teus interesses.