sábado, 8 de junho de 2013

Liberdade a quem a não tem



Tornaram a palavra liberdade tão sacrossanta, tão sacrossanta, que é tão ou mais importante para quem a tem, como para quem a não tem. 
A liberdade sempre existiu e sempre inexistiu. Em todos os regimes políticos. 

O mal da liberdade é quando uns a "ab"usam contra os outros. A liberdade de uns é a sujeição e a opressão dos outros. Quanto maior for a liberdade de uns maior é a sujeição e a opressão dos outros. 

Conquistar a liberdade, a partir de certo ponto, pode ser impossível mas, para quem goza de liberdade, esta deixa de ser uma conquista para passar a ser uma mera consequência. A liberdade é o que tem permitido a uns escravizar os outros. Mas não é por esta razão, certamente, que a liberdade é boa e que devemos lutar por ela. 

Parece-me que os problemas levantados pela liberdade, em grande medida, ainda estão por resolver e a ciência, embora não seja bom que seja instrumento de vontades e de poderes que não respeitem o direito à liberdade de quem a não tem, não tem maneira de escapar a isso.


sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Ter ou não ter razão


As ciências e o método científico têm sido extraordinários meios de resolução de problemas e de resposta a imensas questões. Mas as questões da importância, ou da relevância, ou da validade, ou da verdade, ou da razão, seja do que for, das ciências (da lógica, da ética, da matemática, jurídicas, políticas, físicas, etc...) são questões "viciadas" porque, em vez de autênticas questões, são uma espécie de postulados valorativos, se me exprimo bem. Ou seja, se me disserem que a física ou a química ou a lógica ou a ética são importantes, ou relevantes, isso é como dizerem que a astrologia e a religião e o futebol e a pirotecnia são importantes ou relevantes. A questão da validade, tão cara à lógica, pode ser uma completa inutilidade, uma sucessão de abstrações sem nenhuma relação com a realidade e que não acrescenta um chavo ao meu conhecimento dos astros. A questão da verdade, por sua vez, seja enquanto juízo, seja enquanto informação ou compreensão de fenómenos, também pode ser completamente inócua. Até podemos estar de posse da verdade, tê-la na ponta da língua e não sabermos ou não acreditarmos nela, ou isso de nada nos valer. O ter ou não ter razão também é indiferente numa perspetiva de questões não viciadas por valorações. No mesmo cemitério poder-se-iam encontrar lápides onde se inscrevesse, numa, «aqui jaz um homem cansado de ter razão» noutra, «aqui jaz um homem cansado de ter tudo» ou, «aqui jaz um homem cansado de nada ter».

Num plano prático, de utilidade, instrumental, de engenharias e de técnicas de resolução de problemas, tudo tem o seu valor e a sua importância relativa, de mercado, de regulação social, etc..
Num plano, digamos metafísico, religioso, moral, das fundamentações últimas, tudo muda de figura.
Por outro lado, as ciências, insubstituíveis e poderosas na resolução de problemas, como por exemplo, construir ou destruir pontes, não nos fornecem critérios, nem nos esclarecem sobre o bem e o mal, o justo e o injusto... 
Ser contra a ditadura das ciências é uma falsa questão, porque não há nenhuma ditadura científica. São realidades diferentes. A ditadura é da ordem da vontade e da organização político-social e militar. A ciência é da ordem do conhecimento. 
E não há consenso sobre o que "deve ser" considerado conhecimento. É sabido que um homem "não se mede pelos seus conhecimentos". As pessoas humanas não o são mais ou menos, nem têm mais ou menos mérito ou valor moral, por terem mais ou menos conhecimentos. E não há conhecimentos que o sejam mais ou melhores do que outros. Pela lógica, não haveria conhecimentos contrários entre si. Na prática, a experiência diz-nos que sempre assim foi. Os conhecimentos dão poder e vantagem e há conhecimentos que conferem mais vantagens (de ordem económica e material e política) do que outros a quem os possui. No entanto, os indivíduos, os grupos, os próprios estados não se coibem de, muitas vezes, agirem contra a razão (qual?), contra a justiça (qual?), contra as pessoas, a humanidade, utilizando todos os conhecimentos e todos os saberes, desde a música, passando pela religião e as matemáticas... Disto nenhuma ciência ainda nos livrou.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O ser das coisas, o dever-ser, o poder-ser e o querermos que sejam




Em matéria de política, ciência, moral, religião, filosofia, direito, os problemas são muitas vezes transversais e não ajuda nada a metodologia de os isolar por disciplina. 

Por exemplo, ainda a ciência está a braços com o problema da realidade natural e já não faltam cientistas interessados em dizer como as coisas devem ser, ou seja, ainda não resolveram o problema do ser e já pretendem ter resolvido o do dever-ser. Mas isto é compreensível. Toda a gente se acha autorizada a pronunciar-se sobre como as coisas devem ser, porque e enquanto não se sabe o que as coisas são. Por outro lado, o saber-se o que as coisas são e como são não resolve o problema de como devem ou deviam ser. O problema que apoquenta é sobretudo este e não aquele. A realidade, a maior parte da vezes, ou não nos agrada ou , simplesmente, não nos interessa. Se nos agradasse ou simplesmente nos conformássemos com a realidade, nada teríamos a opor, por exemplo, à doença e às nossas incapacidades. 
Nós queremos que as coisas não sejam, simplesmente, como são. Por exemplo, se pudéssemos decidir sobre o modo como o mundo e a vida funcionam, quantos de nós achariam bem o sofrimento, a doença, a morte?... E a ciência está implicada nesta dinâmica. É acção, instrumentalização, tanto ou mais, do que descrição ou investigação.  É manipulação e "aproveitamento". A ciência funciona com objetivos e finalidades que não são simplesmente de conhecimento. Há um domínio que se exerce crescentemente com a noção de que esse domínio é possível, de que é possível levar a água ao moinho. As coisas, afinal, até podem ser como nós queremos que sejam.

O dever ser da moral não coincide necessariamente e pode até conflituar com o dever ser da religião e do direito e da ciência. O dever-ser, em qualquer caso, depara-se com o querer-que-seja.


De qualquer modo, nenhuma ciência e nenhum dever ser impede que, por nossa vontade, capricho, veleidade, ignorância, maldade, ódio, etc., desejemos ou queiramos outra coisa.

E é sabido que há quem prefira o vício à virtude, a morte à vida, a mentira à verdade, a injustiça à justiça, a destruição à construção. 
Quanto a isto, a ciência não resolve nada, porque tanto serve uns como outros. Tanto serve os bons como os maus, os ditadores como os verdadeiros democratas, os torcionários sanguinários como os benfeitores humanitários...


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

No jogo, na guerra, no mercado


No jogo, na guerra, na política, na economia, nos universos financeiros, no mercado, o interesse submete tudo, ou quase tudo, e até as alianças e os aliados dependem e obedecem em função de alguma estratégia, ou plano. Convenço-me de que não há alianças nem aliados sem razões de ordem estratégica. É "vital" saber exatamente quem são (ou devem ser tidos como tais) os adversários e quem são (ou devem ser tratados como tais) os aliados. Torna-se tanto mais necessário prever e antecipar as decisões e a conduta de uns e de outros, quanto mais vantagem se quiser extrair da possibilidade de as contrariar e de as frustrar. O interesse em manipular, por exemplo, o mercado bolsista, é de tal ordem que é imperioso tentar manipular os manipuladores e os que tentam manipular estes e assim sucessivamente. A perversão faz de tal modo parte da "realidade" humana, que me parece impossível, não só, conceber aquela sem esta, como também, esta sem aquela. E interrogo-me se não é normalmente assumido que, quem é perverso para combater a perversão, tem cem anos de perdão.Eu preferia que as coisas não fossem assim e não acredito que tenham de ser como são.



quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O saber sempre me fascinou III


Perguntam-me pela 
realidade das aparências e eu pergunto pela aparência da realidade. 
Penso que não temos acesso à realidade, mas apenas às aparências e, não raro, ou sempre, as aparências são a realidade, estranha é certo, mas a única que temos. Não me refiro apenas à realidade do que pensamos ou sentimos (o que é o sentimento de justiça, por exemplo? O que é uma mulher sexy, por exemplo? Ou uma boa acção?), refiro-me também à realidade das coisas físicas. Realço que coisa (res) e realidade são termos equivalentes.




segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A (in)Segurança social


Sem enveredar pela teorização (económica, jurídica, social) dos problemas da Segurança Social e dos cortes nas pensões, uma vez que, em teoria, tudo é defensável (embora nem tudo mereça ser defendido), parece que há um "fracasso" do sistema que é também um "fracasso" do sistema normativo se as obrigações (mais do que as expectativas) legal, institucional e contratualmente assumidas deixarem de o ser para ambos os lados e passarem a ser suportadas unilateralmente, por força do princípio da prevalência da "razão" do fracasso do poder. A tentativa de justificar esse fracasso pode ter consequências ainda mais indesejáveis e perigosas para os ordenamentos sociais presentes e futuros, porque tenderá a ser uma justificação para que qualquer pessoa, privada dos seus direitos, adquiridos ou por adquirir, deixe de cumprir (e não deva ser obrigada a cumprir) as suas obrigações. E será muito difícil fazer com que alguém, de livre vontade, entre ou permaneça num sistema desses, sem credibilidade. A noção de falibilidade que todos temos das coisas, ao adquirir tais proporções, não deixa margens para confianças em soluções que, não podendo ser propostas e sendo da esfera da imposição, não se propõem sequer satisfazer condições de direito, imprescindíveis à justiça, à solidariedade e à paz social.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Poderes alternativos



A riqueza material, até para os mais simples dos mortais, tem uma carga "negativa" iniludível, porque ela simboliza e é poder que, sempre ao longo dos tempos, tem merecido as censuras mais bradantes e nunca, ou tão raramente, confirmou méritos que lhe são requeridos. Os governos não têm conseguido ser mais do que "maus gestores" do aparelho do Estado. E não o fazem com "espírito" de gestão de uma máquina fortemente interventiva e dominadora, com prerrogativas que não reconhece a mais ninguém. Fazem-no no pressuposto e na perspectiva de que o Estado serve e tem servido para alguma coisa e, como tal, importa que sirva para aquilo que eles, governantes, entendem que deve servir. Quanto àquilo, que pode ser imenso, para que o Estado serviria, continuaremos a aguardar que os políticos e o poder o digam. E esta falta de saída, de soluções, que leva o povo a um desespero nas respostas que têm sido dadas de todos os quadrantes. Nenhuma solução que envolva o sistema político tal como o conhecemos fará algo mais do que perpetuar os vícios que lhe são visceralmente denunciados.