sábado, 26 de março de 2016

O dinheiro


A questão, tantas vezes invocada para justificar a austeridade, de não haver dinheiro é uma falsa questão e é um modo cínico, ou manifesta ignorância, de justificar a privação das pessoas de bens e serviços. 
Se, por absurdo, eliminássemos todo o dinheiro, ou o colocássemos em sepultura, como se fez ao latim, deixaríamos de pensar que todos os problemas eram de falta de dinheiro. Os problemas passariam a ser eles próprios e não de dinheiro. 
O verdadeiro problema é que o dinheiro se tornou cada vez mais o grande problema.
É sabido que as pessoas não comem dinheiro nem se deslocam em cima de notas ou de moedas. 
Não dêm dinheiro às pessoas, dêm-lhes bens e serviços e fiquem com o dinheiro todo.
Se amanhã não houvesse dinheiro, o mundo não estaria mais pobre e não haveria mais famintos, nem mais doentes, nem menos fruta, ou lojas mais vazias. 
Podemos ter a certeza de que, se não houvesse dinheiro, não haveria inflação, nem deflação, nem tantas outras situações deploráveis ligadas ao capitalismo financeiro.
As imensas vantagens da fungibilidade do dinheiro (e haja em consideração o facto de este conceito estar longe de ser coincidente com o conceito de moeda) talvez saíssem muito diminuídas de uma análise sobre as, também imensas, desvantagens.
O dinheiro tem vindo a adquirir uma tal abstração que se tornou um valor e uma mercadoria e um instrumento em si mesmo, profunda e terrivelmente dissociado da dinâmica e das leis da economia dos bens e serviços.
Digamos que o facto de ser um mercado (cujo peso e relevância nas economias é assustadoramente crescente e incontrolável) à parte dos mercados de trabalho, mercadorias e serviços, exige que se compreenda, sem ilusões, de que é que se está a falar quando se fala de dinheiro.
Fazem falta Newtons e Einsteins nas ciências económicas para nos ensinarem imensas coisas que é preciso saber. 
No entanto, nestas áreas, que também atraem os mais dotados, os cérebros preferem ocupar-se em esquemas de enriquecimento...



domingo, 13 de março de 2016

Como um crente


Fosse eu demolidor e diria: felizes os que têm prazer de ler o que escrevo, porque são justos e belos e sãos e santos e inteligentes e sensatos e quase perfeitos, mais do que eu.
Mas escrevo sem recriminações.
Não escrevo como um juiz, nem como um réu.

Escrevo como um ignorante que aspira à sabedoria, como um cego que aspira à visão, como um forte que não tolera a força, como um fraco que não se resigna a qualquer sujeição. Não escrevo "ex cathedra", mas como um crente. A esperança e o amor são a racionalidade e a poesia a expressão de algum modo ou forma de verdade.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Nada que não seja

Se eu soubesse não diria Nada que não seja Poesia Nada que não saibas Que eu não sabia Não direi nada Sei Extenso dia Até onde alcança A vista A fantasia A alma Que vê ausências Onde há As dela As outras não Direi por dizer Pelo prazer De ouvir-me E de crer Que a palavra não faz Falta Em vão.

Ateísmo e naturalismo


Vamos colocar as questões da seguinte forma: nós não aceitamos a natureza, o ser da natureza, que é um "sendo" contra o qual, sendo nós natureza, não era suposto estarmos, mas somos a natureza "suicida", um produto da natureza. 
O homem não se limita a ser e esse é o problema: o homem não é. 
A natureza que produz o homem não tem que, nem precisa de, se queixar. O homem também não, a não ser de si próprio, ou da sua natureza, mas isso é completamente estranho à natureza. 
Ou então temos mais do que uma natureza na natureza e há naturezas que são mais ou menos naturezas do que outras. 
A natureza, sem o homem, não tinha problema nenhum para resolver e, com o homem, também não, a não ser a tal natureza do homem que é "contra a natureza", ou que não aceita a natureza e que não se limita a ser natural, sendo, além disso, moral, religioso, político, mais caracterizado pelo "dever-ser", que o atormenta, do que pelo "ser", que não atormenta nada nem ninguém. 
A natureza não sabe, nem tem essa coisa do "dever-ser". 
O ateu e o naturalista também não deviam ter e deviam estar perplexos com o mundo cada vez mais feito/desfeito de dever-ser. A começar pelo ateu e pelo naturalista, que não se limitam a ser, mas têm um discurso, ideias, conceitos, ideais, ideologias, "morais". 
O porquê dos naturalistas e dos ateus ainda é mais indecifrável, apesar de todo o arsenal científico e técnico disponível, do que o já antiquíssimo porquê dos que acreditam no sobrenatural. 
E o para quê, o propósito, a finalidade da natureza, até para eles é algo central e imprescindível. Não que eles reconheçam ou apontem, ou acreditem, em alguma finalidade, porque não encontram nenhuma relação causal, necessária, "construtiva", entre os primeiros átomos e o homem. Para eles nada faz sentido, nada tem sentido, tudo é obra do acaso. 
E também aqui é a natureza a pensar e a dizer sobre si própria que não sabe quem é e que todos os seus poderes lhe vêm como se fosse do nada, que também não sabe o que é e que talvez chame nada ao sobrenatural, às forças, aos poderes, aos fenómenos que não existiam no princípio, no big-bang, e que passaram a existir e que, também hoje, surgem, do nada, para se "acrescentarem" a tudo o que existe. 
Desde o primeiro minuto do big-bang até à atualidade, tudo foi surgindo sem que existisse antes...criando...as forças, os átomos...etc., etc....E tem de ser a natureza a interrogar-se sobre si própria, através do homem, porque não sabe de si própria e nunca agiu em sentido nenhum, com nenhuma finalidade, ou vontade e a própria inteligência e consciência do homem é um puro acaso, nada mais, mas um acaso que descobre que nada é por acaso e que a natureza não se explica a si própria, nem enquanto natureza-homem investigando e refletindo...

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Amanhã é dia

Daniel foi sempre descrente de tudo. Era como se lhe estivesse no sangue o desencanto. Ele tinha consciência de que, no fundo, ou no fim de contas, nada valia a pena mesmo que a sua alma fosse grande, mas sentia-a pequena. 
Viveu sempre rodeado de pessoas convictas, crentes e entusiásticas das causas que lhes interessavam. Ninguém, à sua volta, andava perdido, ou simplesmente desorientado. A Gina era astróloga especialista. O Antímio era ateu inveterado. A Eva era católica e o Adão era cientista, cristão. 
Daniel relacionava-se com estas pessoas, por diversas razões. Para elas, Daniel não era nada. És do Benfica? ÉS do Porto? Não. Eu quero que vocês se fodam, dizia ele. Não tendes mais nada que fazer/dizer?, perguntava ele. Não., respondiam-lhe eles. 
A vida era uma merda. 
As coisas, o mundo, a natureza, a música, o ar que respiramos, o sono… eram maravilhosos, mas as pessoas, quando entrava em certos questionamentos, eram, nas suas próprias palavras, uma merda, ou pior. E ter que trabalhar, em determinadas condições, era odioso e revoltante. 
Mas o mais odioso e revoltante era ver o que se passava entre o poder e os que não têm poder. 
Daniel não tinha poder e gostava de ter, mas nada fazia por isso, porque era descrente até do ódio, que não levava a nada. 
«Um tipo assim não devia ter nascido», comentava o Afonso Henriqueto, numa palestra promovida pela Sociedade contra a apatia, subordinada ao tema «Como distinguir os frutos do ódio e do amor?»
Daniel sonhava. 
«Se ele acreditasse, tentava realizar o seu sonho», dizia o padre Américo à irmã Francisca. 
«Mas Daniel não acredita que possa realizar o seu sonho», respondia a irmã.
Daniel sonhava com uma sociedade sem partidos políticos e sem governantes, porque estes eram os representantes daqueles que todos devemos recear. Os que têm poder são sempre uma ameaça e um perigo. A qualquer momento impõem a sua vontade. Numa sociedade desorganizada politicamente também isso aconteceria. 
Qual era então a vantagem? 
A vantagem era que numa sociedade politicamente desorganizada os que têm poder não poderiam contar ainda com o favorecimento das instituições. 


sexta-feira, 3 de abril de 2015

Verdade, Realidade, Ciência


Por que não te libertas de um erro de princípio, que vicia toda a tua abordagem crítica e não crítica de qualquer problema e toda a tua reflexão sobre verdade, conhecimento, ciência, competências ou perícias, qual seja, confundires Realidade com Ciência ou, pior ainda, Verdade com Ciência? 
Pensar a Realidade e pensar Ciência são dois fenómenos diferentes. 

Pensar Verdade e pensar Realidade, também. 
Pensar Verdade e pensar Ciência, também.
Pensar Deus, até um certo ponto é equiparável a pensar como é digerida a batata frita. 
Pensar Deus pode até não ser nada de especial para pessoas como tu, do mesmo modo que pensar como é digerida a batata frita pode não fazer sequer sentido para a maioria das pessoas, ainda que cientistas. Podia até acontecer que o Homem nunca tivesse pensado em Deus e tivesse sempre pensado na batata frita. Algo existir ou deixar de existir, Deus existir ou não existir são questões de segunda ordem relativamente ao facto de o Homem ter uma incrível necessidade/vocação para a Verdade. Esta necessidade de verdade sobreleva tudo o que possa ser dito, pelo método científico, ou pelas artes, ou pelas magias, venham donde vierem as tentativas de a "dizer", quaisquer que sejam as autoridades, ou instituições. E não há forma, nem palavras, nem drogas de mascarar a verdade, porque ela tem um rosto demasiado grande e ardente e invulnerável para que isso possa acontecer. 

A ciência, na sua nobre humildade, cede-lhe em tudo, como serva fiel e incorruptível, reconhecendo-lhe um carácter racional. Mas não é só a verdade que tem um carácter racional. Tudo tem um carácter racional. 
E a ciência sabe-o como sabe que a Verdade envolve e supõe e exige uma racionalidade valorativa que tem de ser de uma ordem não material. 
É a ciência que nos diz tudo o que sabemos e tudo o que precisamos de saber acerca de um específico domínio. 
É a ciência que nos diz sobre a Divina Trindade e a Ascensão de Maria. 
Sabemos que se pode ficar famoso se se quiser, e se se souber, entrar na exegese bíblica, ou no Código Civil, ou na Constituição da República, ou na mecânica quântica… e se se “impuser” uma teoria.
Alguns pseudocientistas, não compreendendo a diferença entre os atributos e o âmbito da verdade e da ciência, dão-se por satisfeitos com esta e tomam-na simplesmente por aquela. São o parasita que não conhece o hospedeiro.
A Verdade não é uma questão de raciocínio, de ser ou não ser, de existir ou não existir. 2+2=4 não é nenhuma verdade e pode não ser um raciocínio e, quanto a ser alguma coisa, é um discurso.
A Verdade vai sendo necessária à medida que pensamos com ciência, amor, justiça, probidade, enfim, valores, virtudes.
Mas pensar com ciência, amor, justiça, probidade, enfim, valores, virtudes, é Verdade mas não é a Verdade.
Por agora, vou ficar a pensar em Deus e a Verdade.