sábado, 10 de maio de 2014

O direito de não competir



Elogiaria a forma, muito interessante e reflexiva, de expressar quanto a poesia pode ser como a febre, um sintoma de alguma coisa que é preciso solucionar.
Para o poeta, os arrazoados dos que professam a religião das urgências e das pressas e dos progressos, são artifícios como outros quaisquer, mas que não devem ser impostos a ninguém, como ninguém deve ser obrigado a competir com ninguém. Devia ser acrescentado um direito à lista de direitos do homem "o direito de não competir, nem a feijões". 
Sabendo nós (previsivelmente) que vai acabar tudo numa nuvem de poeira, seria de esperar que a organização e gestão do nosso tempo fosse feita em função da efemeridade. 
Quando nos pedem para sermos racionais e científicos, seria de supor que esperassem de nós algo diferente de andarmos a matar-nos antes do tempo porque queremos sobreviver à perseguição, ou pressão, a que estamos sujeitos. 
A realidade é a única coisa que interessa à ciência, mas é a única coisa que o homem não aceita e, vai daí, engendra todas as técnicas e mais algumas para a transformar em algo diferente... 
Um dia deixaremos de morrer tecnicamente.



terça-feira, 8 de abril de 2014

A aprendizagem dos valores



A aprendizagem dos valores, paradoxalmente, é (pode ser) um factor de agitação, indisciplina, descontentamento, decepção, revolta... A civilização não é pacificadora, justamente porque o mundo está nas mãos de quem não faz o que deve e não olha a meios para fazer o que quer, podendo.
A aprendizagem dos valores é o que há de mais subversivo, não porque favoreça uma vida de acordo com os mesmos, mas porque põe a nu o problema de as pessoas serem ou não capazes, quererem ou não quererem, serem ou não serem obrigadas, a conformar as suas condutas com esses valores.
O Estado, infelizmente, está numa crise plena, no que a valores respeita e, no entanto, arroga-se o monopólio da coação que, não sendo arbitrária, institucionaliza e consente (quando não promove) políticas "loucas" e "vertiginosas" para lado nenhum, mas tudo à volta do dinheiro, o valor último.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Terramo(r)tos


O avião em que viajávamos para a lua de mel despenhou-se num local que uns chamam “não sei”, outros “sei lá” e outros ainda “pergunte ali a diante”. Eu fui o único sobrevivente…

O meu partido não existe. Tenho partido, mas ele não existe como tal. O meu partido não é do contra, mas permite-me concluir que não tenho partido, ou por outra, os ditos partidos existentes não servem, não prestam e, como sempre acontece nestas coisas, ninguém dentro do sistema tem influência, poder e coragem para provocar indesejáveis terramotos. O meu partido é a vida, são as pessoas, a liberdade, a justiça, a saúde, a educação, a cultura e a responsabilidade, em todas as vertentes, pessoais, sociais, ambientais… O meu partido é a verdade, até as verdades que preferencialmente ninguém quer saber. O meu partido não é o Estado, nem a União Europeia, nem a Globalização, nem o dinheiro, nem a guerra. O meu partido é contra o estado de guerra em que vivem os trabalhadores que têm de suportar todos os dispêndios e todas as aventuras dos senhores dessa guerra de traições engravatadas.
São cada vez mais os portugueses sem partido. E cada vez mais os partidos existentes são menos partidos e mais associações de malfeitores. Ser sem partido não é o mesmo que ser militante ou estar inserido nas estruturas de um partido. Ser sem partido foi-se tornando uma desvantagem crescente à medida que dois partidos deixaram de ser mais do que marcas que detêm entre si o eleitorado. Deter o eleitorado significa apenas granjear uma parte dos votos dos eleitores, normalmente baixa, muito baixa.

As tuas cartas têm-se espaçado muito. Começaste a escrever-me uma vez por semana. Depois, hebdomadariamente. De mês a mês. Quatro cartas num ano. Um postal pelo Natal e uma foto no Verão. Assim passaram cinco anos. Nesta prisão. Cada vez dizes mais em menos palavras. Na primeira carta, declaravas toda a tua paixão e sofrimento pela distância.




domingo, 9 de março de 2014

O céptico



O cepticismo, por definição, não aquece nem arrefece, seja no domínio filosófico, seja noutro domínio qualquer e, alguém dizer-se céptico, retira-lhe a base de afirmação seja do que for. Um céptico, em rigor, nem pode dizer que é céptico porque, sendo céptico, pelo menos, tem de duvidar. E se pretender contestar ou contrariar alguém que, por exemplo, manifesta uma crença, o céptico está a contrariar-se a si mesmo, pelas razões expostas. Ser céptico, se formos a pensar com rigor, significa "recusar ou impedir-se a si mesmo de tirar conclusões ou ter ideias". 
Para que serve uma atitude dessas?
Um céptico, na acepção filosófica, que é a que está em causa, é céptico relativamente a tudo e em todas as situações, incluindo o seu cepticismo.
A um céptico nunca se perguntará o que pensa. A opinião dele está estabelecida a priori, ou seja, não tem. Ser céptico nem sequer é uma opinião.


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Gerir o público e gerir o privado


É preciso mais do que explicar e justificar, tanto quanto é necessário, a relação que existe entre o “dinheiro” e o “preço do dinheiro” e entre a “importância do dinheiro” e o “mercado do dinheiro”.
Gerir dinheiro e produzir ou reproduzir dinheiro é uma ciência e uma arte.
Espantar-me-ia se me dissessem que as maiores inteligências gravitam em torno desse astro, uma vez que encandeia quem o vê e priva da vida os outros.
Mas do ponto de vista da ciência e da arte, nada a opor, é uma ciência e uma arte com o valor das ciências e das artes.
Só que, a ciência e a arte e o dinheiro, não valem por si mesmos, senão pelo que representam ou possibilitam. Nesse aspeto o dinheiro, pela fungibilidade, é o bem de liquidez por excelência.
Dentro da lógica fechada do “dinheiro gera/pode gerar dinheiro” e de que tudo o que gera dinheiro é bom, o investidor privado não tem muito por onde escolher. Os custos de oportunidade equacionam-se sempre em função de uma rentabilidade, mais ou menos imediata, sem consideração, por ex., por externalidades negativas.
Na minha perspetiva, o nosso tempo está a produzir a inteligência necessária e urgente (e obrigatória) para organizar e gerir o mundo enquanto planeta que está em perigo, por culpa dos humanos (e mesmo que o não fosse).
Vamos ter que ser muito claros e entendidos sobre aquilo que queremos, não enquanto investidor privado, mas enquanto coletividade, não enquanto EUA, mas enquanto Comunidade Mundial de países.
A questão do “valor económico” vai ter de prevalecer sobre a lógica do retorno do investimento e do lucro. E isso só será possível se se pré-ordenarem os fins do privado aos fins do público.
Gerir o privado e gerir o público são realidades e problemáticas diferentes, senão antagónicas.
A justificação dos fins pelos meios, no privado, é uma coisa, no público, é outra, completamente diferente.
No privado, o lucro “justifica” que me vendam três sacarrolhas mesmo que eu não use.
No público, não existe justificação para que alguém compre algo de que não precisa. Mas todos conhecemos muitos exemplos bem mais eloquentes do que este, como o do homem que compra vinte ferraris com o único objetivo de os destruir.
Para o privado, a ciência, a educação, a religião e a arte são mercadorias. Tudo o que possa gerar dinheiro.
Para o público, o dinheiro começa por ser o maior problema, porque os fins não são o dinheiro. Qualquer política que, por equívoco ou não, não pressuponha claramente que os fins do Estado não são o retorno, será desastrosa para todos.
Ao Estado compete, ao contrário dos privados, promover o bem estar, o desenvolvimento, a saúde, a educação, a paz, a justiça, o ambiente saudável.
Ao investir em ciência e tecnologia o Estado, em teoria, é a entidade que não pode deixar de agir com inteligência, sob pena de não obstar ao descalabro para que nos encaminhamos.
Nenhum investidor privado tem a obrigação de se preocupar, por exemplo, com o facto de o retorno do seu investimento ser ilegítimo, ou resultado de um efeito desastroso para a economia (por ex., numa perspetiva de consumismo destrutivo).
Infelizmente, para a população em geral, os partidos que “conquistam” o Estado fazem-no sem uma visão para o papel e as funções do Estado num mundo que tem de ser gerido e partilhado coletivamente, com ciência, economia, consciência, justiça e não, como até aqui, ao sabor da ambição, aventureirismo e poder de espada de cada um.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Ciência, técnica e poder



A bem dizer, a ciência não é poder e os cientistas por terem conhecimento não decorre daí que tenham o poder. 
Por outro lado, poder não é ciência e quem detém o poder não detém, necessariamente, conhecimento científico. 
Em rigor, o cientista apenas conhece a realidade. 
A partir do momento em que age, já não é propriamente como cientista, mas como agente e aí, sim, exerce um poder. 
A ciência não tem nada de perigoso, nem de mal, porque a ciência não interfere, nem altera a realidade. O perigo e o mal estão na ação e no agente. 
É importante não confundir o conhecimento das coisas com a manipulação das coisas. 
Sabendo nós que o poder não costuma estar nas mãos dos cientistas, mas que estes costumam estar nas mãos do poder, afigura-se altamente perigoso e de controle difícil ou impossível, um conhecimento da realidade, não pelo conhecimento em si mesmo, mas pela ação que esse conhecimento possibilita. 
Diria que a associação da ciência à técnica tem algo de paradoxal, na medida em que a ciência é objetiva, imparcial, eticamente neutra e não tem objetivos, enquanto que a técnica corresponde à não aceitação da realidade. Nesta é que está o perigo e as ameaças.