sábado, 26 de agosto de 2017

O azul e o cor de rosa


É do mais aliciante que há, em matéria de estudos, perceber claramente quanto cada gesto ou característica nossa, tenhamos ou não consciência disso (creio que não temos consciência de 99,9% ou mais), é um efeito da natureza que, por acaso, e de modo irracional (porque a racionalidade não entra nestas coisas, embora apareça como um efeito delas) tem dominado e se foi acentuando, obviamente, com sucesso.

Mas mais do que isso, é aliciante estudar e perscrutar por que, a partir de algum momento, a força do ter que ser passou a ceder à força do dever ser, talvez ainda antes de ceder à do querer ser ou, sei lá, à do poder ser.
Somos levados a crer que o ter que ser (fatores físico-químicos) moldou e forjou a realidade sem intervenção de outros fatores (capazes de monitorizar e manipular aqueles). Estou a pensar no crescente papel da memória e da inteligência (emocional, lógica, lúdica, etc.), ou seja, do processo de consciência do poder de agir, não agir, quando agir, como agir, etc..
Grosso modo, e recorrendo a uma linguagem corrente, se considerarmos o destino como aquilo que nos afeta sem nada podermos fazer, porque não está nas nossas mãos, e é imenso, ainda fica uma parte considerável do que podemos fazer (não contra a natureza, porque não há nada contra a natureza) porque está nas nossas mãos.
O azul e o cor de rosa, para meninos e meninas, não foi a natureza, nem foi o ter que ser. As saias e as calças, também não. O futebol feminino e masculino pode facilmente tornar-se misto, sem prejuízo de continuar a ser de um e de outro.
O que me parece irracional é querer reforçar o que está instituído, porque sim, porque a evolução ditou diferenças que a cultura foi cultivando.
De resto, espanta-me que ainda não tenha aparecido investimento em equipas mistas, não porque acredite que as melhores atletas femininas ombreassem com os melhores masculinos, mas porque acredito, ainda assim, que as melhores femininas suplantariam um grande número dos masculinos.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Mitologias antigas


Ainda vivemos num mundo dominado por mitologias antigas e são elas que ditam as reformas "impossíveis", porque nada se reforma a si mesmo. 
Abstrações como "aluno" "professor" "perfectibilidade" "progresso" "crescimento económico"... impedem uma autêntica desmontagem e reconsideração dos problemas que precisamos de resolver e dos que queremos resolver.
Por ex., nem toda a gente está interessada na perfectibilidade da pessoa, o que que quer que isso signifique. Ou no progresso, o que quer que isso signifique. Ou no crescimento económico...
Mas toda a gente sabe que pensar custa muito, escrever não menos, ler talvez mais e que não basta pensar, escrever ou ler para resolver problemas triviais de sobrevivência.
A escola não pode ser um laboratório fora da sociedade e dos problemas reais.
Se os alunos, desde bebés, só conhecerem o espaço da escola, ou coisa parecida, não temos modo de ensinar-lhes quase nada do mundo, nem sobre os vegetais que comem, peixes ou carnes, e se saírem em passeio, não olham para lado nenhum senão para o telemóvel.
Mas se calhar é isto que interessa, preparar a humanidade do futuro, que viva em satélites, sem necessidade do contacto com a natureza (como em parte são já as grandes cidades).
Esta tendência parece estar a ser procurada e reforçada, deliberada ou por força das condições, por estruturas/dinâmicas/processos/mercados de massificação (aliás, muito realistas), que apostam no consumo mínimo, digno (?) e sustentável (?), retirando da mente aquele fantasma devastador de há muitos anos, do "american dream".
Neste aspeto, a tão criticada concentração de riqueza, ao afastar/excluir um grande número de consumidores, ironicamente, contribui para a preservação de recursos do planeta (um dos pontos críticos do nosso tempo).
Uma escola com a pretensão, por ex., de criar génios, seria uma aberração. Com a pretensão de fazer 80% dos alunos doutores em matemáticas, ou medicina, ou física, ou desporto...seria outra aberração. Todos temos a noção disto.
Mas ninguém tem a noção do que a escola pretende.
Em abstrato, sabemos que a escola pretende o ótimo, e o ótimo é tudo o que há de melhor.
E, para cada aluno, em concreto? O que o aluno pretende? Uma utopia?
Ou o ótimo é mesmo deixar que nos processos de ensino-aprendizagem professores e alunos tirem o melhor proveito do que há para aproveitar, de acordo com os seus objetivos, apostas, interesses, motivações, capacidades...?
A escola tem de estar preparada e atualizada para as solicitações do nosso tempo.
Não teria sentido que continuasse a ensinar e a preparar para funções que deixaram de existir (a não ser em cursos de conhecimento pelo conhecimento, ou de arte pela arte, que podem ter imenso interesse).