sexta-feira, 30 de junho de 2017

Atores principais num palco de todos


     Sobre as humanidades, direi simplesmente que o seu estudo é talvez das áreas de estudo mais complexas e exigentes e inabarcáveis. 
     O seu fascínio pode levar à ruína os espíritos mais apaixonados pelo saber, porque o saber, não ocupando lugar, também não enche barriga. E o saber das humanidades não é dos elegíveis para criação de riqueza económica e, como as virtudes em geral, não é disputado nos mercados, nem está nas ligas de campeões.
     Quanto ao declínio do ensino das humanidades, parece-me que estamos no domínio das perceções e, aqui, não há como garantir sequer um mínimo de plausibilidade. 
     O ensino já não é o que era. 
     Já nada é o que era. 
     Numa sociedade da informação (talvez mais da indústria do espetáculo) o ensino já não ocupa o centro e o palco foi-lhe "roubado". Vivemos num tempo em que o palco parece (é) tudo. Quem não está no palco não tem importância, como se (pense-se na política), só o que tem importância é que está no palco.
    Todavia, quando falamos de palco temos presente que não é o palco que faz o ator. O palco é qualquer lugar, pode ser na rua, em cima de uma árvore, fechado num quarto... desde que tenha visibilidade e quem observe. 
    O palco não faz o ator no mesmo sentido em que o ator faz o palco.
    E há no ensino especificidades substanciais e dinâmicas de ensino-aprendizagem, avaliação...que fazem da questão do palco um aspecto lateral e subsidiário.

    No ensino, ainda é preciso, muitas vezes, que os aprendizes assumam e queiram ser os atores principais num palco de todos.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Fogos-de-artifício

    
    Não faz sentido, é uma loucura, mas verifica-se que, quanto mais se investe em meios de combate aos incêndios, quanto mais tempo de antena, quanto mais palestras, quanto mais exéquias e solenes parlamentos, mais repetitivos e insuportáveis se tornam os fatalismos e os conformismos.
     Porque a minha memória de mais de meio século permite constatar que, todos os anos, chegam os incêndios/fogos florestais e chegam cada vez mais devastadores.
     Para um otimista, como é qualquer criança que acredita que os adultos podem resolver problemas, cada ano seria menos trágico que o anterior. Não foi isso que aconteceu. Mas a criança otimista continua a acreditar que, por alguma razão desconhecida, as coisas pioraram.
     A criança fica estarrecida mas encontra desculpas para os adultos que encolhem os ombros. No ano seguinte, repete-se todo o palavreado. Os incêndios brincam com toda a gente. Não faltam ideias para prevenir, mas o incêndio faz parte da tradição, tal como os foguetes, e pronto. A criança estarrecida deixa de acreditar naquela gente que vem lamentar os fogos e as mortes, etc..., e pensa que vive num mundo a arder, num inferno.
     O fogo não tem culpa, mas é possível imputar responsabilidades pelas consequências dos fogos florestais.

     Eu apostaria que, a manter-se a tendência, apesar da desgraça e do horror de Pedrógão Grande, ainda este ano as coisas não vão melhorar, porque, incompreensivelmente, para muita gente, os fogos florestais não passam de fogos-de-artifício.

domingo, 11 de junho de 2017

Filosofia e Ciência


À primeira vista e sem mais indagação, são as estratégias dialéticas de análise e síntese, que nos remetem para a diferenciação, tradicional, entre ciência e filosofia. Desde a filosofia do treinador de futebol até à filosofia da ciência, a capacidade de questionamento humano não conhece limites e chega mesmo a forçar os "cimentados" ou sedimentados limites da racionalidade. Este fulgor da filosofia, que ninguém nos tire, ninguém nos tirará. Esta verdadeira força (a juntar às outras forças da natureza), porém, é a mesma que anima a ciência. 
De certo modo, a comunidade de cientistas e de filósofos acaba sendo constituída por cientistas, cada vez mais filósofos e por filósofos, cada vez mais cientistas.
Da descrição dos factos às interpretações e à fixação de sentenças, pode ir um complexo processo de validação, falsificabilidade, monitorização dos próprios processos indutivos/dedutivos, com todo o tipo de implicações, não apenas científicas, ou filosóficas, mas ideológicas e de conceção/visão do mundo e do homem. Se a ciência se abstém destas implicações, já a filosofia, não só não se abstém como se ocupa delas preferencialmente.

domingo, 4 de junho de 2017

Insolências Superiores


É possível imaginar imensos cenários sobre escolas possíveis, ou até sobre inexistência de escolas. 
Se eu fosse criança não concebia e não queria escolas. 
Se fosse adolescente, concebia e talvez quisesse escolas de jogos e desportos. 
Como sou adulto amestrado e "conformado" com as realidades da vida (e sempre me fizeram saber que era um privilegiado, para que eu aprendesse, mas acho que não aprendi) lido com a realidade que tenho, por mais difícil que seja e...Por mais justificada que seja a organização e a classificação das pessoas (classificação numa sociedade "dita" sem classes), só o simples facto de odiar tudo isso exclui toda a possibilidade de sucesso e de felicidade e de concordância. 
As crianças, de hoje mais do que as de ontem, têm uma percepção de que assim é. As informações contraditórias, os deveres contraditórios, os objetivos contraditórios, e sobretudo as hipocrisias, provocam curto-circuitos nos cérebros, ou pelo menos nas inteligências e geram desconfiança, agressividade, frieza, ódio...

A justificação nunca poderá envolver um desmesurado sacrifício, sob pena de não se justificar. 
A primeira preocupação dos sistemas de ensino talvez devesse ser o respeito pelas pessoas e a atenção ao seu bem estar, alunos e professores. Colocar a tónica em aspetos disciplinares, muitas vezes para disfarçar incompetências, é velho de mais. O bem estar, não como um estado definitivo, mas como um objetivo prioritário, considerando que é um dos pilares construtivos por excelência e, já agora, dos mais pedagógicos e saudáveis. 
Mas, pensem duas vezes, parem de instrumentalizar as pessoas e de tratá-las abaixo de robots, fazendo-as amargar ao máximo o seu estado de dependência. Não coloquem ninguém em estado de dependência. 
Este é o pão nosso/vosso de cada dia. 
Este "parem" dirige-se às Insolências "Superiores", como é vulgar dizer-se, ainda hoje, neste tempo civilizado de Venerandos "Juízes" e "Suas Santidades". Ó acólitos, prosélitos, nefelibatas e quejandos, coloquem-nos num pódio, atribuam-lhes medalhas, laureiem-nos, como fazem às misses... Mas acabem definitivamente com esta aberração/humilhação.