sexta-feira, 28 de abril de 2017

Iluminismo, democracia, educação


Até podemos ter iluminismo e razão e entendimento, em suma, ciência e ideologia, mas se não tivermos vontade e ação orientada pelo Direito, enquanto princípio normativo de ação e critério de sanção, para valores comunitários, gregários, vinculativos, éticos, justos, nem a democracia, nem a ciência e ideologia evitam o caos e o absurdo.

A educação para a democracia é uma educação para valores de convivência, tolerância, aceitação, na liberdade das diferenças. Mas a democracia tende a legitimar o domínio, até irracional/pelas piores razões, de interesses que se fazem (podem não ser) prevalecentes numa sociedade. E o que as pessoas concluem, basicamente, é: se a democracia não serve os nossos interesses, não serve. E quem diz democracia diz outro regime, forma de governo, partido, religião...A menoridade, o paternalismo, toda a retórica em torno do "dever-ser" que não é, do poder-ser, que não pode, do querer-ser, que interessa àqueles mas não nos interessa a nós, são "ideais" que alguém pode, de algum modo acalentar, mas a realidade, a tal que interessa à ciência, não se compadece do que interessa a A, B ou C. O “ser” é o que não interessa. O que interessa é o resto. Por falar em retórica, estamos cada vez mais submersos pela retórica, dos políticos que têm ouvidos e boca, mas não têm cérebro e também daqueles cientistas que são boas arrecadações/compêndios de ideias feitas e de tabelas e de nomenclaturas e de fórmulas, mas que não têm inventividade para extrair da informação os corolários necessários. Vivemos num tempo de estilização, estereótipos, padronização e reprodução automatizada/estandardizada, supostamente para nos facilitar a vida e a morte, mas mais esta. De qualquer modo, a educação dificilmente desempenhará o seu papel "iluminador" se não for algo mais do que instrumento de domesticação, seja em nome de que deus/"must" for.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Ciência e religião


Não sei quem foi a primeira pessoa que teve a ideia de deuses como entidades antropomórficas...Mas admito que tenha sido o primeiro "cientista", com o tal cérebro que "vê" da única maneira que sabe.
A demanda de explicações é a essência da ciência.
A demanda de deuses é a demanda de explicações.
Para que um deus explique, necessário é ter sido encontrado.
Parece que foram encontrados muitos deuses que serviram de explicação para muitos fenómenos.
Parece também que foram encontradas explicações, deuses, contraditórias ou, pelo menos, não compatíveis. Essa era a ciência disponível para o cérebro que havia. Estava tudo em ordem com a evolução, com a natureza, enfim, com a realidade. Nem a evolução poderia ter feito melhor, nem a natureza, nem a realidade.
As explicações eram as melhores e as mais inteligentes.
Mas este é o problema das explicações. São sempre as melhores e as mais inteligentes, em cada momento e em cada lugar.
O que não significa que sejam boas.
Por exemplo, atualmente, as explicações da ciência são as melhores de sempre. No entanto, só explicam o óbvio e não explicam o que não sabemos, que não é óbvio.
Deuses e Deus não são óbvios.
O menos óbvio é "por que acreditam as pessoas naquilo que não é óbvio"?
O mais óbvio é "as pessoas acreditam naquilo que veem, mais facilmente do que naquilo que lhes dizem".
Mas Deus é uma construção da inteligência, tal como a ciência e todo o conhecimento. Não quer isto dizer que a inteligência, ou a ciência, ou o conhecimento "criam" Deus ou as coisas. Quer dizer, por exemplo, que fazem o sentido necessário e suficiente, ou têm a coerência, para merecerem atenção especial, para além da mera hipótese de trabalho.
Com efeito, a ciência, sob pena de se negar e contradizer a si própria, nunca se imiscuiu na questão de Deus enquanto entidade "construída" pelo homem.
É certo que a ciência pode e deve investigar se e que "construção" é essa. Mas, na atualidade, quando a ciência procura as origens, já o faz, assumidamente, não em busca de um deus, mas em busca de uma causa desconhecida.
A incompatibilidade entre ciência e religião pode estar em vários aspetos, mas não me parece que seja ao nível do conhecimento.
A religião é uma realidade que a ciência estuda até onde pode e sabe.
A ciência é uma realidade que a religião estuda até onde pode e sabe.
A incompatibilidade, não sendo ao nível do conhecimento, a existir, é de ordem normativa e moral.
A religião é um sistema de crenças, não simplesmente de ordem moral, baseado na ética do bem e do mal e respetivos sentimentos, mas não só.
A religião não existe com vista à investigação, mas com vista à santidade, numa perspetiva que nada tem a ver com o "interesse" do indivíduo enquanto animal, porquanto sobrepõe ao próprio interesse, valores que considera transcendentes (um ignorante, um burro, um louco...pode ser santo, enquanto um sábio, um inteligente, um lúcido, pode ser renegado).
Neste aspeto, pelo menos, a incompatibilidade pode ser total. O juízo científico e o juízo religioso não só não têm de coincidir como, aliás, o ótimo "científico" pode ser o péssimo "religioso" e vice-versa.