terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Não há esperança sem Deus


Acho incrível que ateus encontrem interesse em questões que são não questões, como esta. Com ou sem Deus, exista ou não, a esperança não depende do problema da existência de Deus, podendo embora depender da crença em Deus, qualquer que seja, bíblico ou não. Mesmo assim, para o pecador, daqueles pecados de morte, a esperança não está em Deus, mas pode estar numa estratégia psicológica, por mais absurda que seja. Ter esperança não significa ter a solução de um problema.E, porque assim é, com ou sem Deus, o importante é ter esperança, mas a esperança, é o quê? O salvo conduto para o paraíso das maldivas? Ou o que nos livra do inferno? A esperança em Deus é a "certeza" de que a promessa de Deus, tal como os livros sagrados e a igreja asseveram, se vai cumprir. O reino de Deus é feito de promessas, mas de promessas garantidas. Não garantidas ao ponto de as termos por certas, apenas de as termos dependentes do cumprimento de um conjunto de obrigações.Tudo isto não tem nada a ver com Deus existir ou não, mas se retirarmos esta dinâmica do contexto religioso de Deus e das igrejas, a esperança fica reduzida a um conjunto de incertezas muito mais desconfortável e, para existir, fica dependente de um conjunto de variáveis que, em última análise, não se verificam. O mesmo é dizer que não há esperança sem Deus.

sábado, 25 de novembro de 2017

Inteligência artificial


A inteligência artificial vai-se impondo por toda a parte e em todas as áreas, para realização de interesses e objetivos, muitos dos quais derivam dessa mesma IA. Não se fica perante a IA na mesma atitude com que se pensa numa árvore, ou num gato. Em ambas as situações pode haver o fascínio e o sentimento do espantoso maravilhoso. Até agora, que eu saiba, a IA ainda não tomou nenhuma iniciativa de nos morder, ou de nos roubar a carteira, mas com os gatos e os macacos, por exemplo, já estamos habituados a ter precauções, porque eles são capazes de muita iniciativa que pode prejudicar-nos. Até agora, que eu saiba, a IA mantém-se na obediência a critérios de decisão e de ação humanos, gerados por humanos e da responsabilidade destes. Todo o malefício ou benefício da IA decorre de uma cadeia de dependência direta, que nos permite pensar nas coisas em moldes muito semelhantes aos que já estamos habituados, ou seja, a IA é um instrumento nas mãos das pessoas.
Até aqui, as ameaças da IA são as ameaças próprias de tudo aquilo que tem potencial destruidor ou danoso e que as pessoas podem usar. Até o uso bem intencionado, muitas vezes, resulta em desastres, tanto maiores quanto maior for o potencial demolidor.
Em variados aspetos, lidar com inteligências dotadas de autonomia faz parte do nosso percurso natural e humano, desde sempre. Diria que os problemas resultam disso mesmo.
A nossa relação com a inteligência dos seres vivos, em geral, e dos humanos, em particular, pauta-se pela complexidade e pela dificuldade em sermos bem sucedidos no nosso egoísmo ou egocentrismo ou cegueira...
Mas a IA já se tornou, há muito, mais do que uma extensão da inteligência humana e as próprias realizações/desempenhos técnicos há muito que ultrapassam inúmeras capacidades humanas e de tantos seres vivos. No voo e na velocidade, para falar na capacidade de locomoção, já se faz há muito o que, por ex., as aves e os camelos não podem fazer. A IA já é, em inúmeros aspetos ou domínios, um recurso que nenhum humano poderia, por si mesmo, substituir. E, olhando, ainda que de uma perspetiva de controlo, para as capacidades dos computadores, já ninguém garante que possamos realmente controlar que eles fazem o que realmente era suposto que fizessem e apenas isso.
Por exemplo, eles podem fazer fraudes tão bem ou melhor do que uma rigorosa contabilidade do sistema bancário. E todo o sistema de controlo terá de ser necessariamente computorizado, por ser humanamente impossível fazê-lo.
O que me preocupa e assusta é esta capacidade para a fraude e para a indução dos humanos em erro.
No entanto, se as pessoas não podem controlar a IA, mas esta tiver capacidades para o fazer, o problema é menos assustador.
E talvez a IA inspire ainda mais otimismo se vier a ser Inteligência, num sentido Universal, que é o que nos tem faltado, essa Inteligência que não permitirá sequer o erro como caminho para a aprendizagem.
Com a IA talvez esqueçamos de dizer que errar é humano e que o próprio fenómeno da evolução deixe de ser natural.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

O real não é o nosso elemento

O problema humano de sempre, que põe o cérebro em água e que, talvez por isso, interesse distrair, é o virtual versus real, que hoje designamos mais como realidade virtual versus realidade.
O nosso ambiente cerebral é virtual e o nosso contacto com a realidade é algo de "catastrófico", como se fossemos toupeiras que veem representações, mais ou menos arbitrárias, acreditando, mais ou menos, que não são representações e, sobretudo, que não são arbitrárias. 
Já nos despedimos desse desconhecido, o dito real, a quem apertamos a mão e, cada vez mais longe do ponto de partida, acenamos para um horizonte indistinto, de ilusões, esperanças, sabemos lá?! O real não é o nosso elemento. 
Paradoxalmente e curiosamente, a ciência vem desenvolvendo o que poderia ser a descoberta/recuperação do real ou o real como nossa condição desconhecida.
É pela mão dessa ciência que o real se torna, então, mais virtual do que alguma vez pareceu, ao ponto de a ciência se colocar a olhar para si mesma com estranheza e desconforto.
Pode-se obrigar alguém a ser ignorante, mas não se pode obrigar alguém a ser alfabetizado e menos ainda conhecedor das letras, ideias e ciências, técnicas, artes e ofícios, desportos e indústrias, culturas e geografias, leis e filosofia dessas áreas todas, literatura de ler e literatura de escrever, etc...E menos ainda, de tudo isso junto e de gestão dos sistemas financeiros internacionais em proveito próprio, com resultados à vista.
Pode-se obrigar a não ser assim ou assado, mas o contrário não.
Nem é razoável esperar que o saber ou o aprender sejam por si sós, intrinsecamente, aptos a merecer ou a despertar o desejo de dedicação e de empenho de alguém.
Diria que as sociedades, de que os sistemas de ensino são uma expressão não despicienda, estão organizadas segundo esquemas e dinâmicas motivacionais extremamente viciados, demolidores e insustentáveis a muito breve prazo. 
Numa palavra, o futuro nunca foge e parece estar cada vez mais próximo, mas nada já se anseia por nada ter um sinal tranquilizador.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Ou o homem ou o planeta


É do senso comum que, quando o financiamento existe, tudo é possível. As duas últimas grandes guerras foram assumidamente projetos dependentes de dinheiro, dinheiro e mais dinheiro. Nessa altura, no mundo cristão, havia quem dissesse "acima de cristo, isto".
É natural que, onde está o ouro, o privilégio, o poder, a liberdade, o prazer, a vaidade, a (vã) glória de reinar, estejam os cardumes ofuscados e os tubarões não menos ofuscados e, um pouco mais longe, os que, simplesmente, detestam toda essa miséria.
Não censuro uns nem outros, mas observo como se torna difícil, triste, cruel e revoltante ter de morrer na esperança de sobreviver.
No fundo, já não acreditamos que o financiamento seja instrumental da construção de um mundo melhor. Muita gente pensa que não há melhor mundo do que o que temos vindo a destruir. E não aceitamos a dificuldade, a tristeza, a revolta e a morte como um preço que nem sequer podemos negociar. É tudo, mais ou menos, da ordem do facto consumado. Fazer primeiro e pensar depois. Falar e, na melhor das hipóteses, pensar depois. Construir à vontade, porque demolir é facílimo. Os seres vivos não param quietos, nem enquanto dormem.
É mais fácil fazer do que pensar e do que falar das coisas e do que escrever sobre as coisas (exceto quando se tem um manual, ou outro reportório, para reproduzir).
É fundamental que se incentive e financie o pensamento e o discurso sobre o ser e o fazer. Não a reprodução do discurso, que é uma praga fatal para a inventividade e a crítica e a ciência.
Vivemos um tempo de reprodução mecânica, que é uma resposta a algum tipo de procura, mas a nossa atenção não pode deixar de focar-se no que isso representa de estéril e de perigoso em termos de sustentabilidade.
Neste ponto, as humanidades vêm abrindo mão de um certo antropocentrismo, que pode ser muito salutar.

Espero que a questão "ou o homem ou o planeta" nunca venha a colocar-se, porque não faria sentido nenhum.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

O que está errado?


Se não quisermos trabalhar no estabelecimento do que está errado no rumo que a humanidade tem tomado, que pode ser um trabalho enfadonho e chato e impopular (e inútil), podemos sempre pensar que nada está errado e continuar.
Afinal, do ponto de vista da natureza das coisas, certo e errado não existe.
É assim que tem funcionado o nosso mundo, sem que as religiões, a ética ou as leis desequilibrassem a balança para um dos lados.
O comportamento dos humanos, enquanto indivíduos, mas sobretudo enquanto grupos e organizações, tem sido de uma irresponsabilidade brutal e demolidora, isto na perspetiva de que a irresponsabilidade de uns é apresentada e aproveitada para justificar uma irresponsabilidade ainda maior de outros e que, todos, só fizeram o que tinham a fazer.
Não sei se a cultura nos salvará de alguma coisa, mas sei que ela é um motor poderosíssimo que se pensa a si mesmo como tal, mas não ao ponto de saber o que quer, de o querer saber, de o fazer crer e de o fazer.

Só por isso, é assustador pensar que, fora da cultura, não existe esperança, não temos nada.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Utilidade dos saberes inúteis



Quanto à utilidade dos saberes inúteis, bem, é preciso recuar a um ponto em que os "vícios" da cultura ainda estavam em fase de entranhamento. 
Nunca me preocupei com a utilidade, até ao momento em que entrei para a escola e queria que a professora, a madrinha, o meu pai, a minha mãe, o senhor padre, etc..., gostassem de mim.
Nesses tempos, que já lá vão, tudo, para mim, era útil ou inútil, consoante o jeito que desse, naquela espécie de jogo de quimeras e de vaidades (verdades) infantis, não obstante, extremamente relevantes.
Era o jogo da cultura (da vida), mas depressa me apercebi de que era um jogo viciado. O incitamento para aprender (cultura), ou fazer (produzir) cultura era desproporcionado aos desejos e às necessidades. 
A cultura como meio de atingir objetivos, aos poucos, mostrava dois gumes, e o valor da cultura, tinha uma espécie de preço, pessoal e social, como outra coisa qualquer.
Também tive a minha fase "humilde" de servir a cultura como um pedreiro constrói uma fortaleza, ou um engenheiro fabrica uma bomba, ou um médico trata um doente, ou um poeta morre de tristeza por tudo isso.
Mas a cultura é um produto/efeito do homem, produto esse que, por sua vez, produz/induz/condiciona o homem. 
Então, o problema de existir uma cultura boa e de existir uma cultura má torna-se cultural por excelência.
Afinal, é a cultura científica, tecnológica, das construções, das engenharias e das urbanizações, dos transportes e das energias, dos químicos e das fusões nucleares, das máquinas de guerra e das religiões, das organizações financeiras e industriais, do espetáculo e do desporto, da medicina e da saúde, tudo da máxima utilidade, que está a dar cabo de nós, perdão, do nosso planeta.
Que saudades do tempo em que os portugueses davam a volta ao mundo despoluído, levados pelo vento, talvez acreditando na utilidade do estrume!
Em duzentos anos a cultura mudou tudo. Acreditemos que, nos próximos, também.


sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Qual é a arbitrariedade dos factos?


O que não é arbitrário e sem justificação é, por exemplo, os limites do conhecimento. Ou, ainda, o facto (qual é a arbitrariedade dos factos?) do sofrimento, da dor, da felicidade, da crença de que o sofrimento não é, não pode ser, em vão, tal como não é, nem pode ser, em vão, que existe o universo, porque nada é em vão e, mais importante, ninguém acredita no vão. 
Podemos sempre decidir enterrar crenças e descrenças, como quem enterra mortos ou vivos, que a nossa decisão não altera nada sobre a verdade, não temos qualquer poder de interferência sobre as leis que regem o universo e uma dessas leis, suponho, é que as crenças e as descrenças não são parte delas, mas regem-se por elas. Esta ordem não é normativa. Dever ou não dever haver crenças é uma falsa questão. 
Justificar uma crença, ou tentar justificar uma crença, é o que tem feito avançar o conhecimento e é, justamente, acerca do que não se sabe. Para mim, o mais importante continua a ser, depois de tantos anos a calcorrear este esplendoroso planeta (escandalosamente ardente, ou ardido), que é um incrível cemitério, carregado de vida e de sofrimento, não aquilo que sei, mas o que não sei e o que não se sabe. 
De cada vez que alguém me apresenta um deus, as coisas mudam, e mudam de cada vez que um deus morre. 
O que me interessam, verdadeiramente, não são os significados matemáticos das coisas, por mais instrumental que seja a acústica, enquanto ramo da física. 
Basta-me a música, quando não se ouve mais nada.


domingo, 15 de outubro de 2017

O Deus das religiões e os outros


Quando se fala de Deus, seja o Deus das religiões (que é de extrema complexidade e riqueza), seja o Deus dos filósofos (que é uma espécie de incógnita de uma equação cuja consistência tem resistido a todas as tentativas de rejeição), seja o Deus (que não é Deus, mas que são os pressupostos de inteligibilidade) de quem acredita que tudo o que conhecemos procede e funciona de modos cuja explicação e compreensão vamos descobrindo, está em questão qualquer coisa que transcende os limites do conhecimento, mas não só, porque não se trata apenas da explicação das coisas, do mundo e de nós, mas essencialmente do encontro com o criador, o obreiro, a inteligência, o projeto, o quê, quem, quando, como, porquê, para quê... algo de que não prescindimos e até necessitamos para a nossa identidade, para a explicação de nós, para nos identificarmos a nós mesmos, enquanto pessoas, enquanto humanidade, que se mira a um espelho que devolve mais interrogações do que respostas e tudo isto faz sentido, sempre fez, tudo isto é racional e incontornável.
O Deus das religiões, como não podia deixar de ser, é o mais problemático de todos, porque faz parte e influencia e determina, como nenhum outro, a própria organização político-social e a cultura dos povos que o adotam.
É uma espécie de referencial e matriz valorativa de condutas e comportamentos que foi ganhando caráter de justificação e fundamento para a própria estrutura normativa das sociedades, e foi sendo plasmado em normas que, em algumas sociedades, até tiveram ou ainda têm, força jurídica.
Este Deus é, sem dúvida, muito perigoso e foi, durante muitos séculos, devastador e incontrolável. É um Deus que se coloca, ou é colocado, ao serviço de grupos, de exércitos, de ideologias, de poderes, de desumanidades...É demasiado humano.
O Deus dos outros não é menos Deus, nem menos humano e não me parece tão perigoso.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

A objetividade é uma terra de ninguém


Há áreas que, na verdade, não queremos tratar com objetividade, porque a objetividade é uma terra de ninguém. O nosso amor (às causas) leva a primazia sobre tudo o mais. E a própria ciência é perigosíssima se não for por amor à verdade.
Há os que defendem aquilo em que não acreditam, porque a função deles é defender tudo o que lhes interessar (muitos políticos e advogados...E também pseudo-cientistas e pseudo-filósofos e pseudo-sacerdotes e comerciantes da banha da cobra e militares, etc...,) e há os que defendem ilusões, convencidos de que estão a defender realidades e os que não defendem nada...
Defender valores supõe uma predisposição criativa e otimista e interpelativa, não ostensiva, nem hostil, para a construção, para a comunicação e a partilha proveitosa. Isto não costuma acontecer nos negócios e no mercado dos egoísmos, nessa esgrima cínica e sádica cujo objetivo é apenas punitivo (das fraquezas, da estupidez, da inépcia, da arrogância, enfim, dos defeitos e dos défices).
A cultura da competição, qual Esparta, encontra na adrenalina e na droga o clímax do nada e do absurdo. A cultura da solidariedade e da alegria das pequenas etapas vencidas, na aprendizagem, na doença, nos trabalhos, nos dias vividos a observar as abelhas e as estrelas, está ameaçada de morte.
Do que eu tenho a certeza é que a maioria das pessoas aspira a que as deixem viver, em paz, nem querem que as ajudem, só querem que não as estorvem, que não as persigam, que não as explorem, que não se atravessem no seu caminho.
A escola é uma instituição mobilizadora, tal como uma igreja, ou um Estado, que tem de saber responder às questões do sentido, do interesse, do valor, da verdade, do presente e do futuro, mais do que do passado, sob pena de ser um instrumento de tortura.

sábado, 9 de setembro de 2017

Os independentes e os outros


Vou pronunciar-me como independente, que não concorre a nada, porque não gosta de concorrer e não quer, embora respeite e valorize quem gosta e quer e o faz de acordo com as regras e a boa fé.
De resto, também os partidos deviam ser independentes. Ser independente não é ser anti nada, é ser a favor daquilo que justifica (deve estar na base) da criação de qualquer associação política.
Unir esforços, intenções, meios, para atingir fins, só por si, não é coisa boa (pode ser péssima).
Fazê-lo como reação a agressões ou forças ameaçadoras, ou como resposta sistematizada a pretensões contrárias, pode ser legítimo, mas não quer dizer que seja bom, necessário ou tolerável.
O mais triste e preocupante sinal da democracia (e criticar a democracia não é ser contra a democracia, no sentido etimológico da palavra, muito pelo contrário, os democratas, hoje em dia, não se deixam entorpecer e revoltam-se contra a lorpice burocrática do número como fator que mais interessa aos partidos e têm de ser "antidemocráticos", por isso mesmo, e porque a democracia dos partidos (não independentes) é um simulacro cuja retórica oca já a destruiu.
Eu não nasci ontem.
Os partidos são organizações de interesses na senda da sua defesa e conquista e cultivam isso cada vez mais, como se essa fosse a sua razão de ser. Nem têm outro discurso. É medonho.
Mas não é suposto que o sejam, nem devem ser.
Eu sou partidário da independência e dos independentes e fico esperançoso que estes ganhem cada vez mais terreno e influência àqueles que promovem, defendem e logram o interesse corporativo e de grupos, à custa dos outros.
Transformar estas realidades gravíssimas num faz de conta de um jogo de sorte e azar em que pode ganhar o palhaço ou o velhaco, mas no fim ganha sempre o mesmo, é do mais cínico e desumano que tem o nosso folclore político.
É tudo uma questão de princípios, de valores de retidão e de verdadeiro sentido e prática social. Vender isto é trocar a ideia bonita e promissora de democracia por uma montanha de ouro escondido dos próprios guardiões. É vender o poder do povo. Como fatalmente (para o povo) tem sido prática.
Enquanto o povo continuar a "acreditar" no negócio a coisa funciona.
A independência, diferentemente dos interesses, é uma coisa que o nosso sistema político praticamente não pensa e não conhece, mas vamos ter de evoluir para lá, porque o que legitima um partido não são os interesses particulares e de grupos (em geral e abstrato, caso contrário, até um partido nazi estaria em pé de igualdade), mas outros, de caráter geral, humano, universal... E são muitos, são de todos, presentes e futuros, como, por exemplo, não permitir que alguém os sequestre, domine e destrua, porque sim, porque "eu quero".

sábado, 26 de agosto de 2017

O azul e o cor de rosa


É do mais aliciante que há, em matéria de estudos, perceber claramente quanto cada gesto ou característica nossa, tenhamos ou não consciência disso (creio que não temos consciência de 99,9% ou mais), é um efeito da natureza que, por acaso, e de modo irracional (porque a racionalidade não entra nestas coisas, embora apareça como um efeito delas) tem dominado e se foi acentuando, obviamente, com sucesso.

Mas mais do que isso, é aliciante estudar e perscrutar por que, a partir de algum momento, a força do ter que ser passou a ceder à força do dever ser, talvez ainda antes de ceder à do querer ser ou, sei lá, à do poder ser.
Somos levados a crer que o ter que ser (fatores físico-químicos) moldou e forjou a realidade sem intervenção de outros fatores (capazes de monitorizar e manipular aqueles). Estou a pensar no crescente papel da memória e da inteligência (emocional, lógica, lúdica, etc.), ou seja, do processo de consciência do poder de agir, não agir, quando agir, como agir, etc..
Grosso modo, e recorrendo a uma linguagem corrente, se considerarmos o destino como aquilo que nos afeta sem nada podermos fazer, porque não está nas nossas mãos, e é imenso, ainda fica uma parte considerável do que podemos fazer (não contra a natureza, porque não há nada contra a natureza) porque está nas nossas mãos.
O azul e o cor de rosa, para meninos e meninas, não foi a natureza, nem foi o ter que ser. As saias e as calças, também não. O futebol feminino e masculino pode facilmente tornar-se misto, sem prejuízo de continuar a ser de um e de outro.
O que me parece irracional é querer reforçar o que está instituído, porque sim, porque a evolução ditou diferenças que a cultura foi cultivando.
De resto, espanta-me que ainda não tenha aparecido investimento em equipas mistas, não porque acredite que as melhores atletas femininas ombreassem com os melhores masculinos, mas porque acredito, ainda assim, que as melhores femininas suplantariam um grande número dos masculinos.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Mitologias antigas


Ainda vivemos num mundo dominado por mitologias antigas e são elas que ditam as reformas "impossíveis", porque nada se reforma a si mesmo. 
Abstrações como "aluno" "professor" "perfectibilidade" "progresso" "crescimento económico"... impedem uma autêntica desmontagem e reconsideração dos problemas que precisamos de resolver e dos que queremos resolver.
Por ex., nem toda a gente está interessada na perfectibilidade da pessoa, o que que quer que isso signifique. Ou no progresso, o que quer que isso signifique. Ou no crescimento económico...
Mas toda a gente sabe que pensar custa muito, escrever não menos, ler talvez mais e que não basta pensar, escrever ou ler para resolver problemas triviais de sobrevivência.
A escola não pode ser um laboratório fora da sociedade e dos problemas reais.
Se os alunos, desde bebés, só conhecerem o espaço da escola, ou coisa parecida, não temos modo de ensinar-lhes quase nada do mundo, nem sobre os vegetais que comem, peixes ou carnes, e se saírem em passeio, não olham para lado nenhum senão para o telemóvel.
Mas se calhar é isto que interessa, preparar a humanidade do futuro, que viva em satélites, sem necessidade do contacto com a natureza (como em parte são já as grandes cidades).
Esta tendência parece estar a ser procurada e reforçada, deliberada ou por força das condições, por estruturas/dinâmicas/processos/mercados de massificação (aliás, muito realistas), que apostam no consumo mínimo, digno (?) e sustentável (?), retirando da mente aquele fantasma devastador de há muitos anos, do "american dream".
Neste aspeto, a tão criticada concentração de riqueza, ao afastar/excluir um grande número de consumidores, ironicamente, contribui para a preservação de recursos do planeta (um dos pontos críticos do nosso tempo).
Uma escola com a pretensão, por ex., de criar génios, seria uma aberração. Com a pretensão de fazer 80% dos alunos doutores em matemáticas, ou medicina, ou física, ou desporto...seria outra aberração. Todos temos a noção disto.
Mas ninguém tem a noção do que a escola pretende.
Em abstrato, sabemos que a escola pretende o ótimo, e o ótimo é tudo o que há de melhor.
E, para cada aluno, em concreto? O que o aluno pretende? Uma utopia?
Ou o ótimo é mesmo deixar que nos processos de ensino-aprendizagem professores e alunos tirem o melhor proveito do que há para aproveitar, de acordo com os seus objetivos, apostas, interesses, motivações, capacidades...?
A escola tem de estar preparada e atualizada para as solicitações do nosso tempo.
Não teria sentido que continuasse a ensinar e a preparar para funções que deixaram de existir (a não ser em cursos de conhecimento pelo conhecimento, ou de arte pela arte, que podem ter imenso interesse).

sábado, 15 de julho de 2017

A política, as teorias e as pessoas


Podemos teorizar ad infinitum sobre democracia, participação política dos cidadãos, vulcanos e marcianos, representatividade... Mas a política está para as teorias (sejamos benevolentes) como os partidos estão para as pessoas. As pessoas, transformadas em eleitores, são uma categoria da ordem política, que funciona como a moeda, são uma abstração. E todos sabemos disso, até o mais participativo (por omissão). Não é o representado que escolhe o estatuto de representado, etc. e tal. O representado é "brindado" com o dever, vejam só, de escolher quem o represente, quem represente a sua vontade. Ora, isto não é um brinde, nem é um direito, porque o chamado direito de voto é algo de muito perverso, como tantas outras perversidades com que vamos sendo aliciados nos negócios do mundo. 
A representatividade nem sequer é uma opção, é o que há. E nem sequer se apresenta como um típico contrato de adesão, que o cidadão subscreve ou não, porque ao cidadão não é dada a possibilidade de não contratar o sistema. 
Um cidadão que não tenha aceite, sequer tacitamente, ou que, expressamente, repudie os poderes instituídos, democráticos ou não, não deixa de estar sujeito aos mesmos, nas mesmas condições em que o estão aqueles que os aceitam.
Assim, até o significado e os efeitos da abstenção são estabelecidos ou convencionados pelo sistema, ou seja, não significam o que realmente são (não subscrição da representatividade de nenhum dos candidatos), mas o que o sistema assimila no seu interesse, ou seja, aceitação tácita dessa representatividade.
Um político, que faz disso profissão e, como tal, é remunerado, começa logo por viciar todo o sistema de representatividade. É alguém que, não só, está à porta do poder como ainda faz parte de uma máquina cuja lógica de funcionamento prevalece e sobreleva, intencionalmente, sobre qualquer hipótese de negociação desse poder, prévia e detalhadamente, desenhado.
Mas o que me faz saltar do banco é essa ideia, tão religiosamente devota, da participação dos cidadãos na vida política. É como se estivesse a assistir a um jogo de futebol e o clube de que fosse sócio, além da minha quota, da minha presença e ovação, do preço do meu bilhete, do meu culto clubista, com orações e tudo, lágrimas e sacrifícios, reuniões e hinos, caravanas e apitos, cachecóis e camisolas, cartazes e tempos de antena, estivesse à espera que eu jogasse...de borla.
A falta de cultura política em Portugal é de tal ordem que, desde o 25 de abril, democracia passou a significar que, se o povo se governar, os seus representantes governam-se.
Os políticos, que disso fazem profissão, que fazem profissão da angariação de votos, sabem muito bem o que é a representatividade e o poder do voto, para eles e para os eleitores. Os eleitores também sabem, mas os políticos estão sempre a lembrar-lhes o dever de participação e, se possível, que governem por eles, de borla.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

O problema dos discursos sobre os problemas


Já não bastam os problemas, ainda temos o problema dos discursos sobre os problemas. Em educação e no ensino, em geral, este problema é o maior de todos.É, digamos, o problema dos problemas. 
Acho muito bem que se identifiquem e se caracterizem os problemas. 
Acho muito bem que se analisem e se compreendam em todas as vertentes. 
E que se estudem processos e metodologias (que não sejam milagrosas) de otimizar ensinos e aprendizagens, em todos os sentidos institucionais dos termos. Este é um trabalho sem o qual só podemos contar com o saber de experiência feito, o qual, como é sabido, tem imensas limitações e defeitos. 
Na realidade, é muito mais fácil e apelativo traçar perfis para formandos do que, perante um grupo de formandos, assumir que é possível atingir/realizar um determinado perfil, mesmo que se soubesse que existem instrumentos e técnicas à disposição capazes de lá chegar.
Quando o perfil de cidadão não chega, recorre-se ao perfil de cidadão de (mais ou menos) sucesso e envereda-se por uma enumeração de competências, capacidades, que esvaziam a cidadania do seu próprio sentido.
Depois, espera-se da escola muito mais e muito menos do que aquilo que os professores e os alunos podem e sabem. 
E não basta que a escola sirva uma mesa perfeita de alimentos de que todos se podem servir de acordo com as suas preferências, vocações, interesses, facilidades, curiosidades, talentos... Também é necessário que professores e alunos queiram servir-se e gostem. E, não menos importante, tudo isso é um jogo, que deve obedecer a regras, mas nem todos ganham justamente.
Por outro lado, vivemos numa fase em que parece já não ser a escola que lidera o destino, com propostas de formação, educação, aprendizagens, de reconhecido mérito e viabilidade. Em vez disso, na sua palidez desmaiada, apela aos alunos para que sejam eles a viabilizar e a descobrir o que aprender/fazer para sobreviverem no conturbado mundo de muitos mercados, de que as escolas são um. 
Talvez a maioria dos professores e alunos se apercebam e sintam que a escola é mais do que instituição de ensino e de educação, até porque é lá que passam grande parte (cada vez mais) do tempo das suas vidas.
A escola tem vindo a deixar de ser instrumental relativamente aos mercados e à vida ao ponto de, cada vez mais, serem estes instrumentais relativamente à escola.

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Atores principais num palco de todos


     Sobre as humanidades, direi simplesmente que o seu estudo é talvez das áreas de estudo mais complexas e exigentes e inabarcáveis. 
     O seu fascínio pode levar à ruína os espíritos mais apaixonados pelo saber, porque o saber, não ocupando lugar, também não enche barriga. E o saber das humanidades não é dos elegíveis para criação de riqueza económica e, como as virtudes em geral, não é disputado nos mercados, nem está nas ligas de campeões.
     Quanto ao declínio do ensino das humanidades, parece-me que estamos no domínio das perceções e, aqui, não há como garantir sequer um mínimo de plausibilidade. 
     O ensino já não é o que era. 
     Já nada é o que era. 
     Numa sociedade da informação (talvez mais da indústria do espetáculo) o ensino já não ocupa o centro e o palco foi-lhe "roubado". Vivemos num tempo em que o palco parece (é) tudo. Quem não está no palco não tem importância, como se (pense-se na política), só o que tem importância é que está no palco.
    Todavia, quando falamos de palco temos presente que não é o palco que faz o ator. O palco é qualquer lugar, pode ser na rua, em cima de uma árvore, fechado num quarto... desde que tenha visibilidade e quem observe. 
    O palco não faz o ator no mesmo sentido em que o ator faz o palco.
    E há no ensino especificidades substanciais e dinâmicas de ensino-aprendizagem, avaliação...que fazem da questão do palco um aspecto lateral e subsidiário.

    No ensino, ainda é preciso, muitas vezes, que os aprendizes assumam e queiram ser os atores principais num palco de todos.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Fogos-de-artifício

    
    Não faz sentido, é uma loucura, mas verifica-se que, quanto mais se investe em meios de combate aos incêndios, quanto mais tempo de antena, quanto mais palestras, quanto mais exéquias e solenes parlamentos, mais repetitivos e insuportáveis se tornam os fatalismos e os conformismos.
     Porque a minha memória de mais de meio século permite constatar que, todos os anos, chegam os incêndios/fogos florestais e chegam cada vez mais devastadores.
     Para um otimista, como é qualquer criança que acredita que os adultos podem resolver problemas, cada ano seria menos trágico que o anterior. Não foi isso que aconteceu. Mas a criança otimista continua a acreditar que, por alguma razão desconhecida, as coisas pioraram.
     A criança fica estarrecida mas encontra desculpas para os adultos que encolhem os ombros. No ano seguinte, repete-se todo o palavreado. Os incêndios brincam com toda a gente. Não faltam ideias para prevenir, mas o incêndio faz parte da tradição, tal como os foguetes, e pronto. A criança estarrecida deixa de acreditar naquela gente que vem lamentar os fogos e as mortes, etc..., e pensa que vive num mundo a arder, num inferno.
     O fogo não tem culpa, mas é possível imputar responsabilidades pelas consequências dos fogos florestais.

     Eu apostaria que, a manter-se a tendência, apesar da desgraça e do horror de Pedrógão Grande, ainda este ano as coisas não vão melhorar, porque, incompreensivelmente, para muita gente, os fogos florestais não passam de fogos-de-artifício.

domingo, 11 de junho de 2017

Filosofia e Ciência


À primeira vista e sem mais indagação, são as estratégias dialéticas de análise e síntese, que nos remetem para a diferenciação, tradicional, entre ciência e filosofia. Desde a filosofia do treinador de futebol até à filosofia da ciência, a capacidade de questionamento humano não conhece limites e chega mesmo a forçar os "cimentados" ou sedimentados limites da racionalidade. Este fulgor da filosofia, que ninguém nos tire, ninguém nos tirará. Esta verdadeira força (a juntar às outras forças da natureza), porém, é a mesma que anima a ciência. 
De certo modo, a comunidade de cientistas e de filósofos acaba sendo constituída por cientistas, cada vez mais filósofos e por filósofos, cada vez mais cientistas.
Da descrição dos factos às interpretações e à fixação de sentenças, pode ir um complexo processo de validação, falsificabilidade, monitorização dos próprios processos indutivos/dedutivos, com todo o tipo de implicações, não apenas científicas, ou filosóficas, mas ideológicas e de conceção/visão do mundo e do homem. Se a ciência se abstém destas implicações, já a filosofia, não só não se abstém como se ocupa delas preferencialmente.

domingo, 4 de junho de 2017

Insolências Superiores


É possível imaginar imensos cenários sobre escolas possíveis, ou até sobre inexistência de escolas. 
Se eu fosse criança não concebia e não queria escolas. 
Se fosse adolescente, concebia e talvez quisesse escolas de jogos e desportos. 
Como sou adulto amestrado e "conformado" com as realidades da vida (e sempre me fizeram saber que era um privilegiado, para que eu aprendesse, mas acho que não aprendi) lido com a realidade que tenho, por mais difícil que seja e...Por mais justificada que seja a organização e a classificação das pessoas (classificação numa sociedade "dita" sem classes), só o simples facto de odiar tudo isso exclui toda a possibilidade de sucesso e de felicidade e de concordância. 
As crianças, de hoje mais do que as de ontem, têm uma percepção de que assim é. As informações contraditórias, os deveres contraditórios, os objetivos contraditórios, e sobretudo as hipocrisias, provocam curto-circuitos nos cérebros, ou pelo menos nas inteligências e geram desconfiança, agressividade, frieza, ódio...

A justificação nunca poderá envolver um desmesurado sacrifício, sob pena de não se justificar. 
A primeira preocupação dos sistemas de ensino talvez devesse ser o respeito pelas pessoas e a atenção ao seu bem estar, alunos e professores. Colocar a tónica em aspetos disciplinares, muitas vezes para disfarçar incompetências, é velho de mais. O bem estar, não como um estado definitivo, mas como um objetivo prioritário, considerando que é um dos pilares construtivos por excelência e, já agora, dos mais pedagógicos e saudáveis. 
Mas, pensem duas vezes, parem de instrumentalizar as pessoas e de tratá-las abaixo de robots, fazendo-as amargar ao máximo o seu estado de dependência. Não coloquem ninguém em estado de dependência. 
Este é o pão nosso/vosso de cada dia. 
Este "parem" dirige-se às Insolências "Superiores", como é vulgar dizer-se, ainda hoje, neste tempo civilizado de Venerandos "Juízes" e "Suas Santidades". Ó acólitos, prosélitos, nefelibatas e quejandos, coloquem-nos num pódio, atribuam-lhes medalhas, laureiem-nos, como fazem às misses... Mas acabem definitivamente com esta aberração/humilhação.


sábado, 27 de maio de 2017

Ciência, crença, credibilidade


Pelo respeito e pelo interesse que merece a ciência (conhecimento e artes e competências, em geral, são daquelas "coisas" que não se compram, ou se têm ou não e não há dinheiro que nos emposse de talento como nos empossa de roupa), preciso dizer que a ciência não está a sufrágio popular, nem qualquer outro e que ser cientista não é uma questão de votos. Aquele nojo que as campanhas eleitorais causam com a pedinchice de votos e todos os trejeitos e tiques de proselitismo dos candidatos, para verem legitimado o seu lugar no poder, felizmente, não faz parte do universo da ciência e o povo há-de aprender que o poder da ignorância só dá prejuízo.
O poder da ignorância é, por exemplo, viver de acordo com o critério do interesse pessoal. Do tipo, "o que não me interessa, ou, o que não interessa, não vale".
À primeira vista, este critério parece salvar tudo o que importa e substituir todas as discussões sobre escolhas, mas só a ignorância consente numa aparência destas.
O partido da "crença" foi, é e será, enquanto e tanto quanto formos ignorantes, o maior partido da humanidade.
Crença, não em qualquer coisa, mas em algo que acreditamos, na medida dos nossos interesses (instinto de sobrevivência?).
A discussão não é sobre os fundamentos da crença, mas sobre os interesses da crença. Está aqui envolvido um sentido prático e uma racionalidade pragmática que são uma fortaleza daquelas que não se construíam, nem antigamente.
Curioso é que a ciência, quanto mais se apresenta como a solução, como a infalibilidade (Deus) que foi retirando à infalibilidade religiosa, tanto mais contestação e desconfiança vai gerando.
Chegados aqui, ocorre dizer que não basta à ciência ser ciência para ter credibilidade. As pseudociências, não sendo ciências mas parecendo, às vezes, têm mais.
Ou seja, o problema da ciência como crença é um falso problema ou um não problema. O problema é, sobretudo, de crise de credibilidade da ciência.
Não de credibilidade enquanto conhecimento que, em geral, não é questionado, mas de credibilidade enquanto instrumento, que está nas mãos de quem tem interesses que não coincidem com os interesses dos outros.
Ciência, religião, futebol, partidos políticos, quanto à questão dos interesses e da credibilidade, jogam num campo, quanto à questão da crença e do conhecimento, jogam noutro.
Os adeptos que fazem claque num dos campos, podem ser adversários ou inimigos no outro.
A complicação surge sempre que nos pomos a falar de ciência e crenças sem definirmos previamente os planos e os pressupostos, ou os termos, da discussão.
A crença, como dimensão do conhecimento científico, não é o mesmo que a crença religiosa, a superstição, a astrologia.
E, em geral, parece-me que a força das crenças depende muito da credibilidade.

Se a tua crença é credível, se merece confiança, seja pelos resultados, seja pelos valores envolvidos, o mais provável é que não a abandones, porque ela serve os teus interesses.

terça-feira, 16 de maio de 2017

Fundamentos civilizacionais


É importante que tenhamos consciência de que conhecimento científico se distingue do conhecimento vulgar ou senso comum e que esta distinção não é apenas de grau. Em muitos aspetos o conhecimento científico é paradoxal e contraditório relativamente ao senso comum, o que dificulta/impede a vulgarização do conhecimento científico. Este apela, exige, uma formação, disciplina, que não se compadece com saberes de audiva. Por outro lado, a motivação para a formação, em geral, depende de muitos fatores e, entre eles, a curiosidade/interesse, até não será o principal.
Os casos de paixão, seja pelo conhecimento, seja pelas artes, seja pelas vertentes da vida, em geral, também são, paradoxalmente, pouco conhecidos.
Em termos de conhecimento científico, pelo menos, a paixão, supostamente.
Aparte estas questões, os desafios prefiguram-se imensos, até para quem ousar empreender um percurso científico, quando estamos inseridos e mergulhados num universo regido por culturas, ideologias, políticas e religiões, que são o "modus vivendi" natural e relevante, que têm o conhecimento científico na conta de especialidades herméticas.
Se ganharíamos em ter mais pessoas envolvidas e dedicadas à ciência? Quantas mais melhor. O que poderá ser feito para cativar pessoas para a ciência?
Atualmente vive-se uma crise de vocações em todas as áreas, todos se queixam, a começar na igreja católica com falta de sacerdotes e a acabar na política, com falta de candidatos idóneos.
Historicamente, se não me engano, o poder económico tende a "ditar" os rumos, de sacerdotes, políticos, cientistas, filósofos, artistas...
Mas há valores que, em determinados momentos históricos, sobrelevam ao poder económico opressivo e obscurantista, que se reclamam da luz, da inteligência e da liberdade, que agregam sociedades e fundam civilizações.
O conhecimento científico é apenas um deles, que convive e emparceira com fundamentos/projetos ideológicos, mais ou menos operacionalizados politicamente e com religiões cujos fundamentos/cânones se revelam suficientemente representativos para que lhes seja reconhecido um estatuto de legitimidade que rivaliza largamente com qualquer formação político-partidária.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Iluminismo, democracia, educação


Até podemos ter iluminismo e razão e entendimento, em suma, ciência e ideologia, mas se não tivermos vontade e ação orientada pelo Direito, enquanto princípio normativo de ação e critério de sanção, para valores comunitários, gregários, vinculativos, éticos, justos, nem a democracia, nem a ciência e ideologia evitam o caos e o absurdo.

A educação para a democracia é uma educação para valores de convivência, tolerância, aceitação, na liberdade das diferenças. Mas a democracia tende a legitimar o domínio, até irracional/pelas piores razões, de interesses que se fazem (podem não ser) prevalecentes numa sociedade. E o que as pessoas concluem, basicamente, é: se a democracia não serve os nossos interesses, não serve. E quem diz democracia diz outro regime, forma de governo, partido, religião...A menoridade, o paternalismo, toda a retórica em torno do "dever-ser" que não é, do poder-ser, que não pode, do querer-ser, que interessa àqueles mas não nos interessa a nós, são "ideais" que alguém pode, de algum modo acalentar, mas a realidade, a tal que interessa à ciência, não se compadece do que interessa a A, B ou C. O “ser” é o que não interessa. O que interessa é o resto. Por falar em retórica, estamos cada vez mais submersos pela retórica, dos políticos que têm ouvidos e boca, mas não têm cérebro e também daqueles cientistas que são boas arrecadações/compêndios de ideias feitas e de tabelas e de nomenclaturas e de fórmulas, mas que não têm inventividade para extrair da informação os corolários necessários. Vivemos num tempo de estilização, estereótipos, padronização e reprodução automatizada/estandardizada, supostamente para nos facilitar a vida e a morte, mas mais esta. De qualquer modo, a educação dificilmente desempenhará o seu papel "iluminador" se não for algo mais do que instrumento de domesticação, seja em nome de que deus/"must" for.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Ciência e religião


Não sei quem foi a primeira pessoa que teve a ideia de deuses como entidades antropomórficas...Mas admito que tenha sido o primeiro "cientista", com o tal cérebro que "vê" da única maneira que sabe.
A demanda de explicações é a essência da ciência.
A demanda de deuses é a demanda de explicações.
Para que um deus explique, necessário é ter sido encontrado.
Parece que foram encontrados muitos deuses que serviram de explicação para muitos fenómenos.
Parece também que foram encontradas explicações, deuses, contraditórias ou, pelo menos, não compatíveis. Essa era a ciência disponível para o cérebro que havia. Estava tudo em ordem com a evolução, com a natureza, enfim, com a realidade. Nem a evolução poderia ter feito melhor, nem a natureza, nem a realidade.
As explicações eram as melhores e as mais inteligentes.
Mas este é o problema das explicações. São sempre as melhores e as mais inteligentes, em cada momento e em cada lugar.
O que não significa que sejam boas.
Por exemplo, atualmente, as explicações da ciência são as melhores de sempre. No entanto, só explicam o óbvio e não explicam o que não sabemos, que não é óbvio.
Deuses e Deus não são óbvios.
O menos óbvio é "por que acreditam as pessoas naquilo que não é óbvio"?
O mais óbvio é "as pessoas acreditam naquilo que veem, mais facilmente do que naquilo que lhes dizem".
Mas Deus é uma construção da inteligência, tal como a ciência e todo o conhecimento. Não quer isto dizer que a inteligência, ou a ciência, ou o conhecimento "criam" Deus ou as coisas. Quer dizer, por exemplo, que fazem o sentido necessário e suficiente, ou têm a coerência, para merecerem atenção especial, para além da mera hipótese de trabalho.
Com efeito, a ciência, sob pena de se negar e contradizer a si própria, nunca se imiscuiu na questão de Deus enquanto entidade "construída" pelo homem.
É certo que a ciência pode e deve investigar se e que "construção" é essa. Mas, na atualidade, quando a ciência procura as origens, já o faz, assumidamente, não em busca de um deus, mas em busca de uma causa desconhecida.
A incompatibilidade entre ciência e religião pode estar em vários aspetos, mas não me parece que seja ao nível do conhecimento.
A religião é uma realidade que a ciência estuda até onde pode e sabe.
A ciência é uma realidade que a religião estuda até onde pode e sabe.
A incompatibilidade, não sendo ao nível do conhecimento, a existir, é de ordem normativa e moral.
A religião é um sistema de crenças, não simplesmente de ordem moral, baseado na ética do bem e do mal e respetivos sentimentos, mas não só.
A religião não existe com vista à investigação, mas com vista à santidade, numa perspetiva que nada tem a ver com o "interesse" do indivíduo enquanto animal, porquanto sobrepõe ao próprio interesse, valores que considera transcendentes (um ignorante, um burro, um louco...pode ser santo, enquanto um sábio, um inteligente, um lúcido, pode ser renegado).
Neste aspeto, pelo menos, a incompatibilidade pode ser total. O juízo científico e o juízo religioso não só não têm de coincidir como, aliás, o ótimo "científico" pode ser o péssimo "religioso" e vice-versa.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Poder, ciência e valores


É o poder, são os poderes, as políticas, a vontade dos homens que podem, que têm e detêm o poder económico, financeiro, militar, que estão em crise. A ciência e os valores universais da justiça, da liberdade, da igualdade, da solidariedade, dos direitos do homem, incluindo o direito a um ambiente saudável, não estão em crise no sentido de já não serem o que eram, princípios de racionalidade incontroversa, que guiam ou nos ajudam a fazer escolhas. 
Pode-se dizer que a crise dos poderes tende a "culpar" estes valores, quando, na realidade, é desencadeada pelo facto de estarem a ser "julgados" por eles.
Vejo razão para optimismo nesta crise dos poderes, pese embora o perigo sempre iminente de vermos e sofrermos os efeitos violentos dos seus estertores de morte.
Aliás, vejo razão (e não adeus à razão) em tudo que está a acontecer.
É preciso não confundir poderes, políticas, vontades, ações, comportamentos, acontecimentos, com valores e com ciência. 
Os valores e a ciência, como tudo, em geral, estão numa dependência inelutável dos poderes e da vontade de quem pode. Isto tem sido a fonte das maiores tragédias e infâmias da humanidade. A esperança reside na capacidade que tivermos de controlar o poder, pelos valores e pela ciência.
Durante algum tempo ensinaram-nos que era isto que estava a acontecer e iria acontecer. Temos vindo a verificar, não com muita surpresa, diga-se de passagem, que os suspeitos de sempre, subverteram habilmente o sistema, ao jeito de sempre.
Parece que a ciência das escolhas, não por culpa da ciência, obviamente, é o que está mais longe da mente daqueles que assumem (?) e que estão, em primeira linha, investidos da responsabilidade de "escolher" e decidir o melhor para a sociedade, ou seja, os políticos.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Efeitos perversos da democracia


A democracia está a ficar muito estranha. Diria até, muito antidemocrática. 
Com maiorias simples se arrumam definitivamente assuntos da maior relevância 
para países e comunidades de países (pense-se no Brexit e no Trump). 
Dá-se mais credibilidade e relevância a mecanismos eleitorais do que importância às opções 
ou à importância das opções. 
Afinal, os partidos de direita têm vindo a crescer porque os pobres confiam mais nos ricos 
e preferem-nos? 
Se é assim, será por falta de partidos capazes de representar os pobres? 
Eles são, cada vez mais, a minoria e, ainda assim, ganham eleições. 
Que é que se passa?
Como podemos esperar que os ricos governem? 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Idílio para uns, tragédia para outros


«Não há Verdade onde a vida e a história é idílica para uns e trágica para os outros todos. Enquanto houver quem o não perceba e respeite, continuamos na pré‑história. Na sua crueza, e injustiça, é esta a questão da humanidade. Por muito que as ideologias e as regras da civilização dita ‘global’ andem a convencer o mundo do oposto. E esta busca de verdade começa em muito a nível individual, mas só se torna eficaz quando a constelação de convicções que gera se volve em crença de uma comunidade, em paradigma, motor de adaptação e evolução.» Do prefácio do último livro de Sebastião Formosinho, "A Esperança, Utopia impossível?: da insatisfação como via do (que podemos) conhecer, e esperar, e devir", em co-autoria com J. Oliveira Branco

Como é tão difícil compreender e aceitar e praticar o que, tantas vezes, é evidente? Que regras ou forças nos impedem, ou constrangem, ou desaconselham? Em que sistemas de "persuasão"/alienação, estamos imersos, que não deixam alternativas? Por que é que as verdades, a verdade, parece ser sempre mais difícil de se "aplicar"? E estamos a viver no séc XXI, depois das luzes.
Não me refiro apenas à verdade do ser. Também a verdade do dever-ser parece chocar, em muitos aspetos, com aquela e querer anulá-la. Mas aqui, destaco o "querer", a vontade, na medida em que prescinde de tudo e se erige em último critério de todas as coisas: o indivíduo, o individualismo, o egoísmo, a loucura, o pessimismo, não carecem de outra racionalidade que não o próprio capricho, o refúgio mais enganador que as drogas...
Penso que o pessimismo é consequência do individualismo/egoísmo/capricho e que o otimismo não existe senão numa visão, sentimento, perspetiva, coletiva, social.
Aquele é autofágico, não sobrevive a si mesmo.
A promessa dos sistemas políticos de que o melhor para a sociedade se alcançaria fomentando o egoísmo/individualismo, colonizando o indivíduo, está cada vez mais longe de se cumprir, talvez porque, levado a extremos, o individualismo aniquila o próprio indivíduo, retirando-lhe sentido e sentimento social, esvaziando os valores sociais.