terça-feira, 5 de novembro de 2013

Entre mortos e feridos


O que temos tido em Portugal é a pouca sorte de serem os nossos governantes pessoas de subserviência e de servilismo "snob". Servir o dinheiro e quem o tem é, talvez, a marca mais notória da nossa cultura. Pode ser natural e humano, mas é triste e explica muita coisa. É por isso que os pobres abominam a riqueza e quem a detém. Vamos ter de recuperar a cultura dos pobres, os valores dos pobres, a riqueza dos pobres. 

Os pobres não invejam, não admiram, nem respeitam os ricos. Compreendem-nos e lamentam-nos. Acham caricatos os ares e a importância em que os ricos têm as aparências. 
No teatro da vida, os pobres só pensam numa coisa, que os ricos consideram aborrecida, "sobreviver" um dia, ou uma hora, de cada vez. 
Os nossos governantes detestam, ou odeiam mesmo, pobres. E, agindo segundo a lei do menor esforço, tratam dos ricos, de quem dependem e a quem bajulam e se submetem. 
Todos os governos, ao longo da história, foram governos dos ricos e dos poderosos. Nem nas democracias isso mudou, porque os votos só produzem determinados efeitos previstos. 
O poder é um grande problema que está longe de ser resolvido. 
O poder cala, o poder esmaga, o poder transforma-se num simulacro da verdade e da virtude. 
O pobre sabe isso melhor do que ninguém. 
Não é que os pobres sejam feitos de uma substância diferente da dos ricos. É que o poder corrompe e, pior do que isso, o poder é uma cadeia, é uma engrenagem implacável. 
Os pobres não têm poder e, nesse aspecto, são mais livres e mais lúcidos. 
Ao pobre, o pouco que lhe falta é muito ou mesmo demasiado. E este demasiado, aos olhos do rico, é desprezível. 
Os nossos governantes não chegariam aos ambicionados cargos eleitos pelos pobres, porque estes não acreditam em políticos, nem em governantes e têm razões (já indiquei algumas). 
Mas a sociedade não é só constituída por ricos e pobres, nem por doentes e saudáveis. Também é constituída por pessoas que pensam que os pobres são pobres porque merecem, assim como os ricos, e por pessoas que pensam que os doentes são doentes porque merecem, assim como os saudáveis. E é aqui que entra em força a ideologia. 
A tendência atual parece ser a de camuflar as ideologias com pretensões teórico-científicas. Assim, alegadamente, identificam-se as necessidades e os objetivos e adotam-se medidas, ainda que desastrosas e injustas, mas lógicas, para os atingir. Não importa se são boas ou más, corretas ou incorretas do ponto de vista democrático, social, jurídico, histórico... Basta que sejam lógicas. 
No fim, fica tudo em águas de bacalhau, ou, como diz o outro, entre mortos e feridos alguém há-de escapar.